quinta-feira, 17 de maio de 2012

AS CARTAS NA LITERATURA

Igualmente ao resto das atividades profundamente enraizadas no viver cotidiano, os jogos de cartas têm merecido algumas das melhores páginas da literatura universal. Um exemplo disso é a breve mas notável seleção de textos e autores que se listam abaixo.

MIGUEL DE CERVANTES

"--- Eu, senhor Dom Quixote de La Mancha, dou por bem empregada a jornada que com vossa mercê passei, porque com ela consegui quatro coisas. A primeira ter conhecido vossa mercê que foi um grande prazer. A segunda, ficar sabendo o que se guarda nessa cova de Montesinos, com as mutações de Guadiana e as lagoas de Ruidera, que me servirão para o Ovídio espanhol que trago entre as mãos. A terceira, entender a antiguidade das cartas, que já se usavam no tempo do imperador Carlos Magno, como se pode deduzir das palavras que vossa mercê disse que Durandarte pronunciou quando, ao final daquele grande espaço de tempo, esteve falando com o Montesinos, e ele surpreendeu dizendo: "Paciência e a embaralhar." E esta razão e modo de falar não a pôde aprender encantado, mas sim quando não a estava, na França e no tempo do referido imperador Carlos Magno. E esta averiguação me vem de jeito para o outro livro que vou compondo, que é Suplemento de Virgílio Polidoro, na invenção das antiguidades; e creio que no seu não se lembrou de colocar a das cartas, como eu a colocarei agora, que será de muita importância, e ainda mais alegando ser o autor tão grave e tão verdadeiro como é o senhor Durandarte. A quarta é ficar sabendo com certeza do nascimento do rio Guadiana, até agora ignorado pelas pessoas."

Esta contribuição de Miguel de Cervantes à história das cartas e ao conhecimento de suas origens aparece no capítulo 24 ("Onde se contam mil insignificâncias tão supérfluas como necessárias ao verdadeiro entendimento desta grande história"), na segunda parte de O Quixote. Quem fala assim é um personagem chamado o Primo, que dois capítulos antes manifestou "que sua profissão era ser humanista; seus exercícios e estudos, compor livros, todos de grande proveito e não menos entretenimento para a república." Alguns comentaristas indicam que a passagem é um sarcasmo típico de Cervantes dedicado aos humanistas que examinam a origem de todas as coisas, tal como coloca na boca de Dom Quixote: "Há alguns que se cansam em saber e averiguar coisas que, depois de sabidas e averiguadas, não importam em absoluto ao entendimento nem à memória" (capítulo 22). Por outra parte, cabe assinalar que segundo o Dicionário das autoridades (1726), "paciência e embaralhar" é uma frase proverbial para dar a entender que, assim como aquele que joga e não lhe vai bem, o remédio é ter paciência e conseguir mais tempo, embaralhando a sorte ou as cartas, da mesma maneira que quando não acontece o que deseja em seus negócios, não tem outro remédio do que lográ-lo, e ver se pode mudar os meios para consegui-lo."
Numa de suas principais obras de teatro, Cervantes menciona também a "aquele Pierre Papin, o das cartas", que parece se unir com o Nicolás Papin inventado por Covarrubias como o inventor das cartas. Este Pierre Papin aparece em outras obras castelhanas da época como o mestre das cartas por excelência: "...Como esses trapaceiros vivem tudo de noite, como pregadores falsos, e como nunca saem das manchetes de Pierrepapín..." (A picante Justina López de Úbeda).


RINCONETE E CORTADILLO

Este é o título de uma das Novelas Exemplares de Cervantes. Nela se narram as peripécias de dois astutos personagens, sendo uma de suas especialidades o floreio das cartas, isto é, a preparação dos baralhos para ganhar o jogo.

"...O outro vinha descontraído e sem fundos, sendo que no meio parecia um grande vulto e, depois, um pescoço destes que chamam de balões, untado com gordura, e tão desfeito que tudo parecia fiapos. Vinham nele envoltas e guardadas umas cartas de figura ovalada, porque de utilizá-las já estavam gastas as pontas e para que durassem mais aparavam-nas e deixavam-nas com aquele formato..."

"Eu, senhor nobre, sou natural da Fuenfrida... Meu nome é Pedro do Rincón... e saí a cumprir meu exílio com tanta pressa, que não tive tempo de buscar selas. Peguei das minhas jóias as que pude, e as que me pareceram mais necessárias, e entre elas tirei estas cartas (e a este tempo descobriu os que haviam dito, que no pescoço trazia), com as quais ganhei minha vida pelas estalagens e mercearias que existem desde Madri até aqui, jogando o vinte-e-um; e ainda que vossa mercê as veja tão feias e maltratadas, denotam de uma maravilhosa virtude com quem as entende, que não caia um ás debaixo. E se vossa mercê é instruído neste jogo, verá quanta vantagem leva aquele que sabe que tem certo o ás como a primeira carta, que pode servir de um ponto e de onze, que com esta vantagem, sendo o vinte um inventado, o dinheiro fica em casa. Fora isso, aprendi com um cozinheiro de um certo embaixador certas trapaças de loterias, e do parar, a quem também chamam o "anda boba", que assim como vossa mercê se pode conhecer pelo corte de sua vestimenta, assim posso eu ser mestre na ciência da trapaça.
Com isto estou certo de não morrer de fome, porque, ainda que chegue num cortiço, há quem queira passar o tempo jogando um pouco; e disto teremos logo os dois a experiência; armemos a rede e vejamos se cai algum pássaro; quero dizer que jogaremos os dois ao vinte-e-um, como se fosse de verdade, que se alguém quiser ser o terceiro, ele será o primeiro que deixe o dinheiro."

Seguem as apresentações e, ao final, se põem a jogar:

"Seja assim, respondeu Diego Cortado (que assim disse ser como se chamava o menor), e pois nossa amizade, como vossa mercê, senhor Rincón, disse, será perpétua, comecemo-la com santas e louváveis cerimônias."
E levantando-se Diego Cortado abraçou Rincón, e Rincón a ele, terna e firmemente, e logo se puseram os dois a jogar o vinte-e-um com as já referidas cartas, limpos de pó e da palha, mas não de gordura e malícia, e a poucas mãos alçava também pelo ás Cortado, como ainda Rincón, seu mestre."

Depois de depenar um tropeiro, partem em direção à Sevilha, onde encontram Monipodio (chefe de uma confraria de ladrões), um hábil professor de "floreio" junto ao qual prosseguem suas travessas aventuras.


BARALHOS E BRIGAS

Frequentemente as cartas são apresentadas como fonte de discussões, brigas e outros incidentes. Um dado curioso é o fato de que o sentido original do termo "embaralhar" era o de brigar, e com este significado conservou-se o termo em outras línguas como o catalão e o português.
Em Poema del Mio Cid (1123) aparece também a palavra "embaralhar" como sinônimo de brigar. A princípios do século XVI aparece no Amadís de Gaula (1508) com o sentido de misturar e, logo depois, aparece já em História geral das Índias (1535), de Fernandez de Oviedo, referindo-se às cartas:

"E naqueles primeiros tempos de conquista desta e de outras ilhas, os cristãos faziam cartas das folhas do copey, para jogar com elas. [...] Como são grossas estas folhas, suportavam [sofriam, no original] muito bem aquilo que nelas se pintava; e o embaralhá-las, depois que as ajustavam e faziam cartas, não as rasgavam."

Em Arte de marear, de Antonio de Guevara (1539), se pode ler:

"É verdade que algumas vezes burlando dos remadores e marinheiros na embarcação, ao pedir-lhes registros de suas confissões, em seguida eles mostravam um baralho de cartas dizendo que naquela santa confraria não aprendiam a se confessar mas a jogar e a transvazar."

Em Tesouro da língua castelhana, de Covarrubias (1611), afirma-se:

"Os que jogam cartas chamam baralho o número delas com que jogam, por ser ocasião de disputar uns com outros, desejando cada um ganhar, e o misturar umas cartas com outras chamam embaralhar."

Enquanto que Luque Fajardo, em sua obra Fiel desengano contra a ociosidade e os jogos (1603) assinala:

"... pois a dicção e nome baralho sinônimo são, ou o mesmo significa, que pleito, discórdia, rixa e contenda, como se diz em nosso romance castelhano, quando alguns estão discordando: "Não tenhais baralhos", Sendo que se adapta muito bem o nome, e vem a calhar baralho à carta. Diz a experiência, e os trapaceiros sejam testemunhas desta verdade, seus contínuos pleitos, tramas, altercações, enganos, trapaças, pesadelos, brigas, injúrias, feridas e mortes, com os demais desastres, desaforos e desgraças que continuamente são vistos nas casas de jogos, as demandas e querelas postas nos tribunais sobre o caso, uns pedindo restituição de dinheiro, outros por desagravo. De forma, Florino, que o baralho é instrumento comum da discórdia, munição de uma guerra civil entre vizinhos, mensageiros de rebeliões e motins, intérprete que rompe as pazes, transgredindo à suas capitulações."

O uso indistinto da palavra "embaralhar" referindo-se tanto a brigar como às cartas é mantido ao longo do Século de Ouro e, em alguns casos, criam-se jogos de palavras como as que podem ser lidas nos exemplos a seguir:

Sempre ajuda a verdade (1635)
(atribuído a Tirso de Molina)

"Mas já veio um cavalo
que pela posta correndo
deu aviso ao Rei que perdia,
carta branca todo jogo,
e antes que o outro triunfasse,
meteu-se o Rei pelo meio;
e então não haverá mais baralhos,
ainda que se prossiga o pleito."

El Criticón (1653)
(Baltasar Gracián)

"... de fato, a um encontraram um baralho. Mandaram em seguida queimar as cartas pelo perigo de contágio, sabendo que os baralhos ocasionam baralhos e todas as maneiras obsessões, embaralhando a atenção, a modéstia, a gravidade e talvez a alma. Mas, no que os encontraram, com todos os trapaceiros, que é a quarta geração, lhes revolveram as fazendas, as casas, a honra, o sossego para toda a vida.

"Aqui vieram muitas cartas feitas pedaços, espalhados pelo chão, e pisados seus cavalos e reis.
- Já me parece - disse Andrenio - que te ouço exagerar uma grande batalha que aqui se deu a grande vitória.
- Pelo menos, não me negarás - replicou o Valeroso - que teve baralhos, que sempre se compõem de espadas e ouros, e logo andam os naipes. Não te parece que foi grande o valor daquele que, colhendo entre suas duas mãos um baralho, todo junto, o cortou todo de uma só vez?

Escritos recolhidos dos talentos espanhóis mais clássicos (1691)
Baile das pintas

"Trago certa comissão
na que os trapaceiros mandam
que castigue alguns jogos,
porque tiveram baralhos.


METER-SE EM BARALHO

Esta expressão se utiliza no sentido de descartar-se de cartas inúteis e devolvê-las ao maço. Assim se pode ler na obra intitulada Leis e constituições do jogo do homem (1669):

"Se alguém se meter em baralho antes de ter dito todos que passam, ainda que só faça por suas cartas em cima das quatro que restam, e se tivesse quem se fizesse homem, julgamos e mandamos que as cartas do que fizesse tal ferro fiquem no baralho, [...] Que nenhum se meta no baralho dando-se por condenado na reposição, e se o fizer, fique condenado a repor outra galinha mais, e os três jogadores prossigam a mão, sem que o que se tivesse se metido no baralho possa voltar a tomar suas cartas."

Ainda que se emprega no sentido figurado de meter-se em disputas, como se lê, por exemplo, no seguinte texto Auroras de Diana, de Pedro de Castro y Anaya (1631), no qual esta frase aparece junto a outras metáforas com cartas:

"Existe coisa mais divertida que um cristão meter-se em baralho com os do outro mundo, sem andar adivinhando se pinta ou não pinta o tifo? Pois no final das contas o Físico mais bem barbeado de juízo, com quatro trapaças de Averroes e quatro flores de Dioscórides, nos vem a despintar a saúde e o dinheiro."

No sentido anterior, a expressão também se usa com o substantivo em plural ("meter-se em baralhos"). Por outro lado, no vocabulário de refrãos e frases proverbiais de Gonzalo Correas se encontra outro significado metafórico desta expressão:

"Meter-se em baralho é retirar-se com os inúteis, como as cartas excluídas que se metem no baralho. Fala-se dos velhos e das velhas que deixaram já a juventude e que lhes acabaram o frescor e a formosura, que estão metidos no baralho."


A RAINHA DE COPAS

As cartas e os jogos tem sido utilizados também em muitas obras literárias para descrever um estilo ou situação. Da mesma forma foram usadas como cenário onde se desenvolve uma ação ou, ainda, como acessório. A linguagem das cartas e suas expressões têm sido excessivamente empregadas no sentido metafórico (por exemplo, nas expressões típicas "por as cartas sobre a mesa", "rasgar o baralho" etc.) As mesmas cartas, têm sido inclusive, em certas ocasiões, personagens literários. Assim ocorre no típico conto inglês em forma de versos A rainha de copas:

The Queen of Hearts,
She made some Tarts,
All on a Summer's Day.

The Knave of Hearts,
He stole those Tarts,
And took them right away.

The King of Hearts,
Called for those Tarts,
And beat the Knave full sore.

The Knave of Hearts,
Brought back those Tarts,
And wowed he'd steal no more.


A rainha de copas,
fez umas tortas,
durante um dia de verão.

O valete de copas,
roubou estas tortas,
e as levou.

O rei de copas,
reclamou as tortas,
e deu uma surra no valete.

O valete de copas,
devolveu as tortas,
e prometeu nunca mais voltar a roubar.


A primeira versão destas rimas foi publicada no The European Magazine em 1782.


ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

terça-feira, 15 de maio de 2012

CASSINOS

Envolvidos por uma aura de luxo e emoção, desde sua origem os cassinos sempre estiveram intimamente ligados à história dos jogos de cartas. Até o início do século XIX, eles eram basicamente locais destinados a reuniões sociais, nos quais a música e a dança costumavam ter mais importância do que o próprio jogo.
Ao longo das primeiras décadas daquele século, porém, esse conceito foi se modificando com grande rapidez. Tanto que, por volta de 1850, a palavra cassino já servia principalmente para designar um conjunto de salões dedicados em especial ao jogo. Essa mudança ocorreu paralelamente a uma progressiva liberação dos chamados jogos de azar, que durante muito tempo tinham sido radicalmente proibidos por toda a Europa.
No princípio do século XIX, permitiu-se a reabertura de antigas casas de jogo e a instalação de novos cassinos, sempre sob a tutela governamental, em zonas dedicadas ao lazer, como balneários e estâncias turísticas. Eles se destinavam a uma clientela endinheirada, que não temia arriscar consideráveis importâncias em troca de fortes emoções. É daí que deriva a antiga identificação dos cassinos, em grande parte mantida até hoje, com o luxo, a riqueza e o ócio. Sob esse aspecto, o grande paradigma é, sem dúvida, o célebre Cassino de Montecarlo, situado no Principado de Mônaco. Essa imponente casa de jogos, cujo nome homenageia o príncipe Carlos III, foi inaugurada em 1861. Suas atuais instalações datam de 1879, quando os salões originais foram ampliados.
O cassino moderno é um lugar em que os jogadores apostam seu dinheiro contra o de um apostador único, a banca (ou "casa") -ou seja, a empresa que controla o cassino. Como se trata de um lugar onde, em todos os jogos, a sorte é um fator decisivo, o apostador deve estabelecer limites para o quanto está disposto a arriscar, para desse modo desfrutar das emoções proporcionadas pelo cassino sem arruinar seu patrimônio pessoal.
Em geral, os cassinos costumam aceitar todas as apostas dos jogadores até um certo limite, definido pela importância máxima que a banca pode pagar no caso de perder contra o apostador.
O principal jogo praticado nos cassinos é a roleta. Entre as várias modalidades, destacam-se as dos tipos francês, norte-americano de um zero e norte americano de duplo zero. Na maioria dos cassinos também é possível encontrar mesas de dados e máquinas conhecidas popularmente como caça-níquéis.
Os jogos de cartas encontrados nos cassinos variam segundo preferências e tradições de cada país. Nos cassinos norte-americanos, por exemplo, o mais comum é o blackjack; nos de origem ou de tradição inglesa tem grande destaque o bacará, que se costuma jogar na forma conhecida como chemin de fer (estrada de ferro); na França, o mais comum é o trente et quarante (trinta-e-quarenta); na Espanha, todos os jogos mencionados podem ser praticados na maior parte dos cassinos.
Embora o pôquer não seja propriamente um jogo típico de cassino -uma vez que os jogadores disputam as apostas entre si, e não em confronto com a banca-, na maioria dos cassinos dos Estados Unidos há mesas e salas destinadas à sua prática. Sobre as apostas ali feitas, a casa cobra uma comissão.
Vale mencionar, finalmente, dois jogos de cartas que chegaram a ser muito difundidos nos cassinos e que hoje já não são praticados na maior parte deles: o faraó e o monte.

OS CASSINOS NO MUNDO

Quando se fala em cassinos, a primeira ideia que vem à mente é a grandiosidade das casas de jogos de Las Vegas, a célebre cidade do estado de Nevada, nos Estados Unidos. Ou o refinamento e a elegância do cassino de Montecarlo, no Principado de Mônaco. Alguns lembrarão também do legendário La Habana, de Cuba, fechado em 1957 após o triunfo da revolução liderada por Fidel Castro.
Mas, espalhados por todo o mundo, há muitos outros cassinos de altíssima qualidade, que, com luxo e requinte, oferecem a seus frequentadores ampla variedade de opções em matéria de jogos e de entretenimento. Há até alguns sobre a água, caso dos instalados no Queen Elizabeth II e em outros famosos transatlânticos convertidos em casas de jogo flutuantes.

EUROPA

Em muitos cassinos europeus não se permite a entrada de homens sem paletó e gravata. Trata-se, no entanto de uma tradição que gradativamente vem perdendo força. De todo modo, para evitar aborrecimentos, é sempre conveniente estar informado sobre as regras de etiqueta próprias de cada cassino. Outra norma comum a quase todos os cassinos da Europa: para ter acesso às salas de jogo, a pessoa deve exibir documento que comprove sua identidade. No caso de turistas estrangeiros, exige-se a apresentação do passaporte.
A Alemanha abriga alguns dos mais belos e antigos cassinos do mundo, situados em elegantes edifícios com salões suntuosamente decorados, onde se procura resgatar a atmosfera romântica e elegante do século XIX. Mas há também casas de jogo mais modernas e funcionais, abertas após a Segunda Guerra Mundial em quase todas as cidades importantes.
Na Bélgica, destaca-se em especial o cassino de Spa, o mais antigo de toda a Europa. Nesse país, por sinal, ocorre uma situação curiosa. Uma lei de 1902 proibiu a instalação de cassinos, mas permitiu que os oito então existentes continuassem funcionando. Todos eles permanecem ativos.
Na França, onde foram legalizados em 1907, há um grande número de cassinos em funcionamento. Eles se situam principalmente em cidades balneárias e centros turísticos famosos, como, por exemplo, Deauville, Biarritz e Nice.
A Itália possui apenas quatro cassinos, localizados em Veneza, San Remo, Milão e Campione (nos Alpes, perto da Suíça). Na Holanda há três. Na Espanha, onde a última legalização do jogo data de 1977, existem 25 deles, número que tende a crescer, sob impulso da intensificação também crescente da atividade turística. Em Portugal, os mais importantes são o do Estoril, próximo a Lisboa, e os situados na região do Algarve. Na Grã-Bretanha, onde a atividade do jogo foi legalizada em 1960, existe um grande número de cassinos, muitos instalados em Londres e outros em grandes cidades e em regiões turísticas, todos eles operando como clubes particulares.

ESTADOS UNIDOS

Com poucas exceções, em geral o jogo é proibido nos Estados Unidos. Uma delas ocorre em Nevada, que o legalizou em 1931. Desde essa época foi crescendo o número de cassinos naquele estado, principalmente nas cidades de Las Vegas e Reno.
O único estado que seguiu o exemplo de Nevada foi Nova Jersey, em 1978. Ali, o principal centro de jogo localiza-se em Atlantic City.

OUTROS PAÍSES

A questão da permissão ou não à atividade do jogo varia em todo o mundo, e dela depende diretamente a criação e o funcionamento dos cassinos. Em diversos países da África, por exemplo, o incremento do turismo a partir da década de 70 levou os governos a permitir o funcionamento de casas de jogo no interior de hotéis.
Na Austrália, o primeiro cassino legal entrou em operação na Tasmânia em 1973. Na maioria das Ilhas do Caribe, os cassinos também estão ligados à rede hoteleira e desempenham importante papel no conjunto da indústria turística, tanto que ficam abertos 24 horas por dia.
Também na Ásia encontra-se um expressivo número de cassinos. Destacam-se entre eles os quatro de Macau, que igualmente funcionam nas 24 horas do dia. Nos países muçulmanos, os cassinos não são oficialmente autorizados, mas em alguns - por exemplo, Marrocos, Tunísia, Egito e Turquia - eles são tolerados, como resultado da pressão dos hotéis destinados a turistas estrangeiros.
Na América do Sul, o jogo é proibido no Brasil, no Peru e na Bolívia. Entre os demais, o que possui maior número de cassinos é a Argentina. Desses, tem especial importância o de Mar del Plata, considerado o maior do mundo





sábado, 12 de maio de 2012

FABRICAÇÃO DAS CARTAS

PINTORES E ARTESÃOS

Os primeiros exemplares de cartas de jogar eram desenhados e coloridos manualmente, como mostram inúmeros exemplos conservados nos museus especializados. Alguns estudiosos como Joan Amades (Apunts dimatgeria) julgam mesmo que a xilogravura nasceu como processo industrial - já que antes se empregavam carimbos de madeira - com o objetivo de baratear os custos de produção das cartas.
Um dos mais antigos produtores de que se tem notícia é Rodrigo (ou Roger) Borges de Perpinãn, que, já em 1380, é distinguido com o duplo título de pintor e artesão de cartas.
Também existe referência documental relativa e outros Borges, pintores e artesãos de cartas instalados em Barcelona no século seguinte, o que sugere uma dinastia que deu continuidade a esse duplo ofício.
Graças a uma ordem dada pela rainha Maria (esposa de afonso, o Magnânimo) a seu tesoureiro , para que pagasse a importância de 265 soldos como remuneração por trabalhos de desenho, pintura e acabamento de um baralho, bem como pelas duas lâminas de papel usadas na confecção dessas cartas, ficamos sabendo da existência do artista valenciano Miguel de Alcanyis e dos filhos de Bartolomé Pérez, aos quais se destinou o referido pagamento.
Por outro lado, no inventário de bens do comerciante barcelonês Miguel Ça-Pila, feito em 1401, incluiu-se um "jogo de cartas grandes pintadas e douradas, protegidas com uma capa negra". Isso fortalece a idéia de que as primeiras cartas foram realizadas a mão -cortadas, desenhadas, coloridas e acabadas- por artistas pintores.
Outros artesões espanhóis de cartas do século XV dos quais se tem notícia são Benito Soler, Juan Brunet, Jaume Estalós, Arnaldo Bru, Alejandro Buezo, Miguel Ferrer e Pedro de Laredo. Sabe-se também que Miguel Sanz, originário de Córdoba, foi discípulo de Pedro Borges no aprendizado do ofício de artesão de cartas e fabricantes de tinturas.

A TÉCNICA DO ARTESÃO

As primeiras cartas eram totalmente elaboradas a mão, o que fazia delas objetos preciosos e delicados. Apesar disso, e das leis de proibição ao jogo promulgadas na maior parte dos países europeus, os jogos de cartas incluíram-se rapidamente entre os costumes de todas as classes sociais. Por esse motivo, foi necessário aumentar a produção de baralhos, com o objetivo de atender a uma demanda sempre crescente.
Uma forma de tornar mais simples e rápida a fabricação das cartas foi a aplicação de cor sobre elas diretamente com os dedos, sem que se respeitassem os limites assinalados pelas linhas dos desenhos. É nessa época, no início do século XV, que começam a ser empregadas as máscaras, que consistiam em padrões ou moldes perfurados ou entalhados. Para cada carta havia várias máscaras, uma para o desenho básico e outras para as diversas cores. As tintas eram aplicadas com pincéis especialmente adequados para esse trabalho.
Uma segunda fase da evolução das cartas inaugura-se com a introdução das técnicas de gravura. Para isso se utilizava uma matriz de madeira (xilogravura) e, sobre as folhas ou cadernos impressos, aplicavam-se as máscaras para o colorido posterior.

O OFÍCIO DE ARTESÃO DE CARTAS

O mestre de cartas, fosse estampador ou pintor, encarregava-se pessoalmente da realização da estampagem e do colorido das cartas de jogar, já que essas duas operações eram consideradas fundamentais para garantir a necessária qualidade da fabricação.
As operações secundárias do processo de produção das cartas -preparação e colagem do papel, corte e prensagem dos baralhos, preparação das cores e das tinturas etc. -eram realizadas por familiares do mestre de cartas, por aprendizes ou mesmo por pessoal assalariado.


AS CARTAS ARTESANAIS

A VIDA CORPORATIVA DOS ARTESÕES DE CARTAS

Embora somassem uma quantidade significativa, os artesões de cartas nunca foram em tal número que pudessem formar uma corporação própria, razão pela qual normalmente se integravam em agremiações maiores. Foi assim que João II de Navarra, como lugar-tenente de seu irmão Afonso, o Magnânimo, concedeu em 1455 aos artesãos de cartas barcelonenses, tanto quanto aos chapeleiros do lugar, o privilégio de se incorporarem à Confraria dos Julianes Merceros (comerciantes de miudezas). No decreto, regulava-se o exercício da profissão de produtor de cartas, a abertura de lojas ou oficinas para a venda e a fabricação de baralhos e, ainda, as restrições relativas aos aprendizes do ofício.
Em 1472, o mesmo rei João, agora convertido em João II de Aragão após ter sucedido seu irmão no trono daquele reino, teve que tornar a se ocupar dos artesões de cartas. As novas disposições eram gerais para todos os membros da Confraria dos Julianes Merceros, e entre elas estavam a fixação da hora de encerramento do trabalho aos sábados, regras sobre a venda ambulante, a limitação do tempo de aprendizagen para cada um dos distintos ofícios e assim por diante.
A agremiação dos merceros, os comerciantes de miudezas, cujo nome completo era Confraria de São Juliano dos Merceros de Barcelona, havia sido fundada e sancionada por João I de Aragão em 1393, e recebeu numerosos privilégios de sucessivos monarcas. A ela foram se unindo outras corporações profissionais menores (agulheteiros, luveiros, bolseiros, fiteiros e outros, além dos já citados chapeleiros e artesões de cartas). No final do século XVIII, a confraria englobava ofícios tão heterogêneos que isso provocou inúmeras disputas e reivindicações. Finalmente, em 2 de dezembro de 1801, o rei Carlos IV determinou que os vinte artesões de cartas barcelonenses se incorporassem à agremiação dos livreiros e dos impressores.

O APRENDIZADO

Antes de obter o título de artesão de cartas, o interessado precisava passar por um período de três anos de aprendizado como discípulo de um mestre de ofício. Durante esse tempo, o aprendiz convivia com o mestre na casa deste. Suas obrigações incluíam misturar cores, estender e secar as três folhas de papel que, coladas, eram usadas para a fabricação das cartas e, ainda, a limpeza das ferramentas ao final da jornada de trabalho.

OFICIAIS E MESTRES

Depois do aprendizado vinha um período, que variava de três a seis anos, durante o qual o artesão trabalhava na condição de oficial. Geralmente, os oficiais eram trabalhadores com conhecimentos especializados sobre a arte de fabricar cartas, mas que não haviam chegando a superar todas as provas necessárias para obter o almejado título de mestre artesão de cartas.
O acesso ao título de mestre foi regulamentado por um decreto real de janeiro de 1560, confirmado em dezembro de 1565. Segundo o documento, para obter o título de mestre era indispensável ao candidato ter passado os três anos de aprendizado com um mestre artesão de cartas diplomado. Além disso, ele precisava apresentar uma obra-prima de sua criação, que seria julgada pelos "guardiães do ofício", que examinavam as aptidões e o talento do candidato. Se o resultado desse exame fosse satisfatório, o interessado tinha então direito ao título de mestre e à incorporação à confraria.
Outra condição para alguém aspirar ao título de mestre artesão de cartas era pagar as tarifas ou custas do exame, cujo preços variava em função do parentesco do candidato e de sua procedência. Em Barcelona, por exemplo, os súditos da coroa de Aragão pagavam menos (em alguns casos, a metade) do que os forasteiros.
Os exames não eram fixos. Variavam segundo o parentesco entre o aprendiz e o mestre. Assim, os filhos de mestres artesãos de cartas tinham maiores facilidades para passar nas provas. A composição do tribunal examinador, por sua vez, mudava todos os anos. Em diversos arquivos constam petições com de vinte a quarenta cartas do naipe de paus, de diversos tamanhos, que deviam ser apresentadas ao tribunal. Diante dos membros dessa corte, o candidato devia também desempenhar diversas operações relativas ao ofício, tais como o dobramento e o desdobramento de um conjunto de cartas.
Por último, era costume que o profissional, uma vez tendo recebido o título de mestre artesão de cartas, oferecesse um refresco ou uma refeição leve às pessoas que tivessem acompanhado seus exames.


XILOGRAFIA

Xilografia é um processo que permite gravar  ou imprimir a partir de um bloco de madeira, do qual se suprimem as partes que não devem aparecer na estampa e se deixam em relevo as superfícies lisas que receberão a tinta e que serão impressas no papel. A imagem final, chamada gravura, é o resultado da impressão xilográfica.
O desbaste de madeira é realizado por meio de ferramentas como a goiva e o buril. O trabalho pode ser feito seguindo-se a direção das fibras de madeira (xilografia ao fio, ou à madeira deitada) ou perpendicularmente a elas (xilografia de topo, ou à madeira em pé). O segundo procedimento é mais complexo, mas permite melhores resultados. Uma vez desbastada a madeira, obtém-se uma imagem especular, isto é, invertida lateralmente em relação à que aparecerá na superfície de contato, como se esta fosse um espelho. Por esse motivo, os desenhos e os textos devem ser gravados na madeira invertidos lateralmente (da direita para a esquerda), para que a imagem resultante seja a efetivamente pretendida.
Inicialmente, o processo foi empregado para estampar tecidos (no Museu Nacional de Nuremberg, na Alemanha, conserva-se um tecido estampado por esse sistema, produzido no século IV a.C., no Egito). Após a invenção do papel pelos chineses, a xilogravura disseminou-se rapidamente no Oriente. E quando o papel chegou ao Ocidente começaram a surgir por toda parte impressões xilográficas, que incluíam livros ilustrados (Bíblia dos pobres, Apocalipse), imagens religiosas e, também, cartas de jogar.
Da impressão de textos foi que surgiu a idéia, atribuída a Gutenberg, de empregar tipos móveis (isto é, letras avulsas) para imprimir, pois com isso era possível reordenar e reutilizar os tipos para a impressão de outras páginas (em vez de se realizar uma gravação para cada página). Foi assim que aconteceu a invenção da imprensa.
Na Europa, desde o século XV a produção de baralhos serviu-se de xilografia, técnica industrial que representou um grande avanço em relação aos sistemas simples de fabricação até ali vigentes. A operação realizava-se inicialmente mediante pressão manual, sobre papel que fora antes levemente umedecido. Mais tarde se empregariam prensas de rosca. Por causa desse procedimento, os fabricantes de baralhos ficaram conhecidos como "impressores de cartas". Depois da impressão aplicavam-se as cores. Para esse trabalho os artesãos usavam máscaras (padrões ou moldes perfurados ou entalhados). Além disso, eles também empregavam matrizes para imprimir seus nomes, ou marcas de fábrica, nos estojos dos baralhos.

FERRAMENTAS DO ARTESÃO DE CARTAS

Um inventário de 1797 dos bens deixados pelo fabricante de cartas Pedro Pablo Rotxotxo y Puigdoura, que se encontravam na casa de sua propriedade na rua Escudillers Blanchs, em Barcelona, fornece uma idéia bem exata da organização da loja e da oficina desse artesão. Na loja, e bem visível da rua, exibia-se um biombo de madeira e tecido, com um gradeamento de arame, sobre o qual apareciam pintados quatro baralhos e a figura de um sol, divisa da fábrica de cartas do falecido. Um rótulo dizia: "Fábrica de Rotxotxo".
O cômodo dos fundos da loja, que era utilizado como refeitório e oficina, contava com sete mesas, uma delas redonda e outra recoberta com uma toalha verde. Nesse cômodo havia tesouras para recortar cartas, prateleiras para guardar os baralhos, um pedaço de sabão, uma quantidade de papel para fabricar cartas, armários com estantes e caixotes nos quais se conservavam papéis para embrulhar os baralhos, algumas marcas e moldes para a produção das cartas, uma panela contendo tinta azul, uma prensa com seu correspondente torno e demais utensílios para prensar cartas, uma peneira para filtrar a cola, um pincel, uma tigela de cobre para esquentar a cola e um tonel para guardar as asparas das cartas recortadas.
No pátio encontrou-se uma tábua usada para umedecer papel e, em outro cômodo, no alto de uma escada, acharam-se outros moldes, tábuas para fabricar cartas e baralhos arrumados para a venda. Na sala principal guardavam-se cinco moldes para a fabricação de cartas à moda francesa. Em outro aposento havia um considerável número de objetos, entre os quais mesas e pranchas de madeira, uma quantidade de cartas em processo de fabricação, recipientes para tintas, tábuas para pintar cartas, brochas, pincéis e varais de cordas para a secagem das cartas. O corredor da escada abrigava uma mesa que era usada para a operação de ensaboamento.
Por último, encontrou-se no átrio uma prensa de madeira com todos os seus complementos, duas polidoras com suas tábuas e pedras, dois varais de cordas, instrumentos para amolar a pedra, uma quantidade de papel de imprensa, quatrocentos jogos de cartas em plena elaboração, conjuntos de moldes de cartas, brochas, pequenas vasilhas, recipientes de tintas e duas pequenas jarras para tinta amarela.
Esse detalhado inventário, felizmente conservado, permite-nos imaginar como era o trabalho cotidiano do fabricante de cartas na Europa do século XVIII. Um artesão dedicado a uma atividade que logo conheceria avanços técnicos mais marcantes, como resposta à grande demanda por seus produtos.


A FÁBRICA DE CARTAS DE MACHARAVIAYA

As primeiras cartas de jogar chegaram no continente americano na bagagem dos marinheiros e exploradores, que as utilizavam como distribuição durante as longas e monótonas travessias do Atlântico. Com o crescimento demográfico das novas colônias, porém, aumentou a demanda por baralhos. Por esse motivo, a Coroa espanhola criou a Real Fábrica de Cartas do México, estabelecendo-se em 1583 que todas as cartas da Nova Espanha -que incluía México, Nicarágua, Nova Galícia, Guatemala, Yucatán, Honduras, Campeche, Nova Biscaia, Soconusco e Chiapas -teriam que proceder exclusivamente da fábrica estabelecida em terras mexicanas.
No entanto, a Real Fábrica enfrentou ao longo de sua existência sérios problemas com o abastecimento de papel, motivo pelo qual a produção de baralhos continuava sendo insuficiente. A importação de papel da Europa constitui uma solução apenas provisória, e extremamente cara.
Coube ao rei Carlos III, na Real Concessão de 12 de agosto de 1776, enfrentar o desagradável problema. Ele o fez outorgando uma autorização ao fabricante Félix Solesio, da província de Álava, para que este estabelecesse por sua conta "uma fábrica de cartas de segura qualidade na cidade de Macharaviaya, jurisdição da cidade de Málaga".
Parece que se escolheu aquela localidade malaguenha porque José de Galvez, visitador do rei e responsável pelas rendas americanas, era natural dali. Deu-se a Félix Solesio o prazo de seis meses para construir a fábrica. Outra condição: quatro meses depois de prontas as instalações industriais ele deveria entregar "20.000 maços de cartas, cada um de 12 baralhos, embalados e encaixotados por conta do administrador". A partir desse momento, o ritmo de produção passaria a ser de 30.000 maços a cada quatro meses, durante os dez anos de duração prevista do contrato.
No entanto, as cartas de Macharaviaya, fabricadas exclusivamente para distribuição nas colonias do Novo Mundo, não foram bem recebidas pelos consumidores americanos. Criticava-se principalmente sua péssima qualidade, denunciando-se, entre outros, os seguintes defeitos: pouca consistência do papel; colagem precária, que tornava as cartas inutilizáveis depois de terem sido embaralhadas apenas algumas vezes; costas sem estampas (pediam-se desenhos ou sinais nas costas, para evitar as transparências); desigualdade no corte das cartas de um mesmo baralho; pouca variedade na produção; imperfeições nas estampas ou nos desenhos; falhas na aplicação de cor; e baralhos incompletos por embalagem incorreta.
Essa monumental falta de qualidade fez com que nas colônias espanholas da América se valorizassem mais as cartas de outros fabricantes, como ocorreu com o barcelonês Pedro Rejojo (Rotxotxo), e levou ainda a que se preferissem os baralhos produzidos em Madri e em Barcelona, de padrão notavelmente superior em relação aos feitos em Macharaviaya, e mesmo os baralhos de outros países europeus, muito apreciados pelo papel em que eram impressos.
Apesar de Félix Solesio não ter cumprido diversas cláusulas relativas a prazos, qualidade das cartas, produção e contra-senhas exigidas para evitar a venda de suas cartas na Espanha, a concessão foi sucessivamente renovada em 1781, 1784 e 1798. Em 1809, ela foi revigorada por mais dez anos, mas nessa ocasião isso foi feito em nome de Nicolás Solesio e Braulio Hernandéz, respectivamente filho e genro de Féliz Solesio.
No dia 26 de setembro de 1811, as Cortes Gerais extraordinárias promulgam um Real Decreto estabelecendo o fim do controle estatal sobre a produção e a distribuição de cartas de jogar, com o que se inaugura a era da livre fabricação e venda desses bens. Braulio Hernandéz solicita em 1815 a prorrogação do contrato, e alega como causas  da escassa produção  a guerra contra a França, a morte de Nicolás Solesio e também o fim do monopólio estatal. Só que desta vez sua petição é desconsiderada, pelos seguidos descumprimentos do acordo e pelas perdas que e má qualidade das cartas de Macharaviaya causara à Real Fazenda.
Obrigada a competir com outros produtores, a fábrica de Macharaviaya não conseguiu superar as deficiências que a caracterizaram desde sua fundação. A partir da segunda década do século XIX desaparecem todas as referências a ela, embora ainda se conservem hoje exemplares dos baralhos que produziu.


LITOGRAFIA

A litografia, ou litogravura, é um sistema de impressão baseado no fenômeno físico-químico da repulsão entre a água e os materiais gordurosos, ou seja, no fato de que água e substâncias gordurosas não se misturam. A imagem que se pretende reproduzir é desenhada numa pedra (pedra litográfica) ou numa placa metálica (geralmente de zinco). Para fazer esse desenho emprega-se uma substância oleosa. Depois que ele está terminado, realiza-se sua fixação com ácido nítrico dissolvido em água (água-forte) e goma arábica. O ácido nítrico abre os poros da pedra, permitindo que esta absorva a gordura, enquanto a goma arábica realiza a tarefa básica de fixação.
Desse modo, obtém-se uma superfície com algumas áreas cobertas por uma película que não se dissolve. A imagem fixada atrai tinta oleosa e repele água, motivo pelo qual, quando a pedra é umedecida com uma esponja e se passa sobre ela um rolo impregnado de tinta oleosa de impressão, a tinta adere no desenho, mas não no restante da pedra molhada.
O processo de impressão litográfica é complexo e exige pessoal altamente qualificado, mas seus resultados compensam, já que o desenho original é fielmente reproduzido nas cópias. Além disso, o sistema permite o colorido mecânico nas imagens, com um ajuste (registro) perfeito das cores.
Pouco antes de ser abandonada como procedimento de impressão industrial, a pedra litográfica começou a ser substituída por pranchas metálicas. Mais tarde, os modernos métodos fotomecânicos de impressão acabariam definitivamente com a litografia, que se conserva atualmente como processo apenas artesanal.

A LITOGRAFIA E AS CARTAS

A litografia foi concebida pelo alemão Alois (ou Aloys) Senefelder no final do século XVII. Em 1796, após sucessivos aperfeiçoamentos realizados ao longo de dois anos de experimentação, ele conseguiu testar o processo com êxito. Em 1818, Alois publicou seu Curso completo de litografia, obra na qual documenta sua descoberta e o desenvolvimento da invenção.
Ainda no primeiro quarto daquele século, a litografia passou a ser aplicada na fabricação de cartas. B. Donford, por exemplo, utilizou o sistema com grande competência. Conseguiu realizar desenhos e gravações de grande precisão para a produção de suas cartas, com um ajuste tão perfeito que chegou a empregar até dezesseis cores em seu primeiro baralho litográfico.
O mesmo procedimento foi adotado também na Espanha pelos irmãos Braulio e Heraclio Fournier.

OUTROS PROCESSOS DE IMPRESSÃO

Alguns fabricantes espanhóis de cartas empregaram até a metade do século XIX moldes  de chumbo com peças de latão incrustadas. Tratava-se de um sistema mais parecido com as matrizes xilográficas, que nesse caso eram metálicas.
Num período anterior, e simultaneamente à era da impressão xilográfica, fabricaram-se cartas de maior qualidade gravando os desenhos sobre pranchas de cobre. A cor era aplicada à mão por artistas especializados. Mas o custo desse sistema era muito elevado, justamente por não ser possível aplicar as cores mediante máscaras ou moldes. Para realizar a impressão do material gravado, era necessário umedecer os cadernos de papel, já que a gravação era em baixo-relevo. Isso fazia com que o papel sofresse diferentes alterações, tornando impossível o ajuste mecânico das cores.


A CONFECÇÃO CLÁSSICA DAS CARTAS

A confecção de cartas utiliza técnicas que, embora tenham semelhanças com outros gêneros de impressão gráfica, apresentam as suas próprias características. Em 1762, já tinha sido publicado o tratado Arte de confeccionar cartas, escrito por M. Duhamel, que trata das diferentes operações realizadas nas indústrias de cartas para elaborar as cartas de jogo. As indústrias de cartas deviam - e ainda na hoje é um requisito básico - cumprir, antes de mais nada, exigências de qualidade: as cartas deviam ser manejáveis e não muito grossas, mas nem tão finas a ponto de serem transparentes. Deviam ter as costas idênticas - inicialmente eram brancas -,  a impressão tinha que ser muito nítida  e o estampado perfeito, para que cada carta fosse reconhecida rapidamente. Por outro lado, todas estas qualidades deviam ser reunidas em curto prazo, de tal forma que a produção fosse maior; o preço dos baralhos resultasse acessível e a sua venda permitisse obter lucros. Duhamel assinala que as indústrias de cartas ja tinham conseguido cumprir naquela época todas essas condições. Inclusive, afirma que um operário era capaz de confeccionar sessenta baralhos por dia, se os cartolinas estivessem preparadas (alçadas, coladas e secas), apesar de que a produção de um baralho completo precisasse, na época, entre cinquenta e sessenta operações diferentes para sua finalização.

OS DIFERENTES TIPOS DE PAPEL

No livro de Duhamel há uma descrição detalhada das operações necessária para a confecção de cartas. Podem ser utilizados diferentes tipos de papel, mas é aconselhada a utilização de três tipos para obter baralhos de qualidade; papel marca d'água (vasilha), papel camada cinza e papel baralho.
O papel marca d'água é utilizado para imprimir os desenhos e cores das cartas. Deve ser totalmente branco, embora não necessário que tenha a perfeição do papel utilizado para as costas, pois somente os jogadores olham as caras das cartas.
O papel camada cinza é utilizado para formar a capa anterior das cartas. Devido ao seu leve tom acinzentado, torna as cartas menos transparentes. Sobre cada uma de suas duas superfícies colam-se os outros dois tipos de papel, o da cara e o das costas.
O papel baralho é de boa qualidade, muito branco, bem engomado e fabricado exclusivamente para a elaboração de cartas. Com o fim de evitar que tivesse algum sinal, não leva marca da fábrica e as folhas não são dobradas, pois é muito importante que não tenha nenhuma mancha ou marca que possa permitir aos jogadores lembrar e identificar as cartas que se trata.
Mesmo que fosse conveniente que em nenhum destes três tipos de papel as folhas fossem dobradas, os dois primeiros eram fornecidos dobrados; a primeira operação que se deve realizar é virar a dobra, separar as camadas de papel, uma a uma, e pressionar com os polegares para reduzir a marca. Esta operação chama-se "rasgar a dobrar", apesar de não se rasgar nem de despedaçar nenhuma folha.
Como nem todas as folhas de papel têm a mesma espessura, elas são selecionadas e classificadas, separando-se as mais grossas das finas para poder combiná-las posteriormente e dar às cartas a mesma espessura depois de se unir os três tipos de papel.
A operação de misturar as folhas dos três tipos de papel e prepará-las para a colagem denomina-se alçamento. Nas grandes fábricas, esta operação costumava ser feita por operários especializados, que podiam chegar a "alçar" de dezoito a vinte resmas de papel por dia.

A COLAGEM

Após o alçado, inicia-se o processo de colagem das folhas. A cola empregada se fabrica cozinhando seis medidas e meia de farinha com duas medidas e meia de amido. Depois de cozida essa mistura, deve-se peneirar quando está fria para separar os grupos. Um operário eficiente colava, naquela época, por volta de trezentas mãos de papel por jornada de trabalho, que durava treze horas.
A cola é colada apenas em uma das folhas. Para que a folha que está em contato com esta absorva a cola, ambas folhas são colocadas em uma prensa. Além disso, esse processo de prensar as folhas faz com que saia o excesso de cola. A pressão é suave no início durante uma meia hora, deixando que a cola seque um pouco para evitar que o papel rasgue. Finalmente, é aplicada mais força na prensa durante uma hora e é durante esta operação que a cola excedente sai pelas bordas das folhas.
Para evitar que a cola excedente grude as bordas das dobras, de tal maneira que se forme um único bloco de papel, um ajudante vai limpando com um pincel molhado em água fria as bordas das folhas e eliminando a cola. É necessário que o pincel seja suave, para evitar que suas cerdas se metam entre as folhas coladas e volte a desgrudá-las.

A SECAGEM DAS FOLHAS

A próxima operação é fazer um furo nas folhas coladas, para poder passar um fio de latão e pendurá-las até que terminem de secar. Na hora de estender, é necessário que seja em um dos cômodos altos da casa - para evitar que as folhas peguem poeira proveniente da rua -, que deverá ser varrido e preparado previamente. O lugar deve estar bem fechado, mas com janelas em todas as paredes, que devem ficar fechadas quando há névoa ou o ar exterior esteja muito úmido. O normal é que esse processo se realize no verão, já que no inverno costuma ser necessário usar aquecedores que podem ressecar a cola e enrugar o papel.
Depois do processo de estender, inicia-se a limpeza das folhas para retirar os corpos estranhos que possam ter grudado enquanto estavam penduradas. Esta operação era habitualmente realizada pelas viúvas ou pelas filhas dos mestres fabricantes de cartas e, para isso, deve se utilizar uma faca com muito cuidado para não apoiá-la sobre as folhas a fim de evitar deixar alguma marca.
Antigamente, a operação seguinte era o de polir as folhas, mas na atualidade não é mais realizada. Esta operação consistia em passar uma pedra pomes pela superfície da folha para terminar de eliminar as pequenas imperfeições que pudesse ter.

IMPRESSÃO, COLORIDO E CORTE

Assim que as folhas estejam preparadas, inicia-se a impressão dos desenhos, realizada por meio de moldes de madeira ou metal, sobre o papel umedecido.
O colorido se realiza por meio de trepas ou padrões nos que estão recortados os espaços que devem ficar pintados nas cartas. Antes de aplicar uma cor, deve-se deixar secar a anterior, para evitar que ambas cores se misturem. Assim que as folhas estejam secas, impressas e coloridas são aquecidas e passadas pelo alisador, que é uma pedra de sílex com a qual as folhas são pressionadas. Esta operação é a que proporciona às cartas de qualidade o seu brilho característico. Primeiro se alisa a face das cartas e, em seguida, as costas.
Após o alisado, as folhas impressas são cortadas e os baralhos são formatados. É preciso uma grande habilidade para segurar as tesouras com firmeza e força no banco de corte e conseguir que este seja impecável. Em seguida, as cartas cortadas são colocadas em uma mesa ampla, ordenadas e verificadas cuidadosamente se não possuem defeitos que as inutilize para o jogo. Finalmente, o último processo consiste em montar os baralhos para o empacotamento e venda.


A FABRICAÇÃO ATUAL DE CARTAS

Atualmente a fabricação de cartas continua realizando praticamente as mesmas operações da fabricação tradicional das cartas. As principais diferenças estão em que atualmente muitos dos processos em que era necessária a força humana foram substituídos pelas máquinas e que muitos dos processos não essenciais (fabricação de papel, tintas, colas, etc.) são encomendados às indústrias especializadas auxiliares (indústria de papel, indústria química, etc.). Entretanto, apesar de se ter mecanizado o processo de fabricação de cartas, este continua sendo realizado sob um rigoroso controle humano em todos os seus passos.
Como na maioria das indústrias, a primeira mecanização conseguiu-se ao ser aplicado o vapor como fonte de energia das máquinas.
Esta aplicação se iniciou ao longo do século XIX até que, no final desse mesmo século, o vapor começou a ser substituído pela energia elétrica que, embora ainda necessite de maiores infra-estruturas para sua execução (redes elétricas de alta e baixa tensão, centros de distribuição e transformação, etc.) possui uma utilização mais limpa, eficiente, confortável e segura.

O PROCESSO DE FABRICAÇÃO

A fabricação atual de um baralho inicia-se com o desenho de suas faces e costas, que podem ser tradicionais ou de fantasia, ou uma mistura de ambos. O desenho costuma ser realizado pelo fabricante, embora em algumas ocasiões especiais seja encomendado a artistas reconhecidos, como tem ocorrido ao longo da história. Após realizado o desenho das cartas, procede-se à montagem em grandes folhas para a fabricação dos fotolitos (um para cada cor de tinta que será utilizada na impressão), que originarão as pranchas de imprensa.
O papel que se vai utilizar chega à fábrica de cartas já preparado para ser impresso. Antes de ser utilizado comprova-se sua qualidade, ou seja, que não apresente nenhum defeito que possa comprometer a tiragem. Durante o processo de impressão vão-se imprimindo sucessivamente as cores, obtendo-se folhas grandes ou calhamaços nos quais aparecem um ou dois baralhos completos sem cortar.
As tintas usadas na impressão são de secagem rápida, sendo assim desnecessário esperar entre a impressão de uma tinta e outra como ocorria antigamente. Depois de imprimir as duas faces, os calhamaços passam sucessivamente pelos processos de envernizagem, secagem, corte, ordenação do baralho e de colocação nas embalagens.
Estas operações são muito delicadas, pois não podem ficar marcas de manipulação que, durante o jogo, possam identificar as cartas.
O enverniza mento é uma operação fundamental, porque dá as cartas o brilho e tato característicos. Cada fabricante emprega sua própria fórmula no verniz, porque este passo é de grande importância para a conservação e durabilidade das cartas. O corte do calhamaço impresso se produz em duas fases; na primeira, cortam-se os calhamaços em tiras e na segunda, as cartas.
Antes do empacotamento final, os baralhos são comprovados cuidadosamente para retirar os que apresentem o mínimo defeito que afete sua qualidade e, portanto, o prestígio do fabricante. Este controle é absolutamente prioritário na fabricação de cartas, dado o uso a que vão ser destinados. Os fabricantes mais reconhecidos dedicam um esforço humano e financeiro considerável para conseguir produtos de grande qualidade, preparados não só para o jogador aficionado ou para o colecionador, mas também para cumprir as rigorosas normas que são empregadas nos cassinos. A limpeza e a precisão no processo de elaboração das cartas são requisitos indispensáveis para obter produtos apreciados pelos consumidores.


A MANIPULAÇÃO DAS CARTAS

Depois de imprimir todo o baralho numa folha de papel, ela passa por máquinas cortadoras que separam os diversos naipes que compõem o baralho. Uma vez cortados, os naipes, automaticamente, são ordenados e ficam prontos para serem empacotados. Antigamente, depois de pronto o baralho, este era envolvido numa folha de papel impressa que servia como embrulho e como selo de garantia do fabricante. Neste papel era indicado o tipo de baralho, a data da fabricação, os dados do fabricante e outras informações que podiam ser de interesse tanto do fabricante como do comprador. Estes invólucros, já desaparecidos devido ao processo de modernização das indústrias fabricantes de baralhos, eram trabalhos de grande beleza gráfica. Por isso se converteram, como os próprios naipes, em objetos de coleção.
Na Espanha, e enquanto esteve vigente a tradição de imprimir os baralhos com um carimbo que garantia a sua qualidade, a maioria dos seus invólucros eram transparentes ou tinham uma abertura circular que permitia ver a carta sobre a qual se imprimia o selo. A carta era o quatro de paus, nos baralhos de símbolos franceses, ou o cinco de espadas, nos baralhos espanhóis. Na Inglaterra, desde o início do século XVIII, a carta em que se incluía o selo do imposto era o ás de espadas, enquanto que na França esta carta era o ás de paus. Estes invólucros foram progressivamente sendo substituídos por papel celofane e caixas de papelão, materiais que permitiam maior proteção aos baralhos até chegarem ao consumidor final. Tradicionalmente os baralhos eram empacotados por dúzias e grosas (doze dúzias).

A VENDA DAS CARTAS

Antigamente, as cartas de baralho eram vendidas nas mesmas oficinas onde eram fabricadas. Com o desenvolvimento dos negócios, estas oficinas se converteram em fábricas, como a de Macharaviaya, dedicadas à exportação, e começaram a surgir os intermediários que compravam dos fabricantes e os vendiam aos consumidores.
Atualmente, excetuando os grandes consumidores, como os cassinos ou as empresas que compram tiragens especiais de baralhos com as mensagens publicitárias, cujas encomendas são feitas diretamente nas fábricas, os baralhos são adquiridos através de comércios especializados.


AS CARTAS E A PUBLICIDADE

Desde o final do século XIX, as cartas são usadas como veículo publicitário, com a criação de dorsos especiais nos quais se imprime a publicidade, ou de caras nas quais se incluem alguns elementos gráficos e textos relativos a uma determinada marca. Por sua vez, as fábricas de baralhos, como acontece nos demais setores de indústrias e serviços, apoiam-se na publicidade para incrementar as vendas de seus produtos.
A publicidade de cartas já existia antes da revolução industrial. Originariamente consistia em simples cartazes nos quais se indicavam a qualidade dos baralhos e seus valores. Estes breves anúncios foram praticamente a base da publicidade dos baralhos até os dias de hoje, como se pode perceber nos anúncios que se inserem nas revistas e jornais. Como principal alternativa para os cartazes, surgem os calendários, tanto em formato grande como do mesmo tamanho das cartas, com os quais se buscava uma identificação proposital reproduzindo as caras e reservando os dorsos para a publicidade e o calendário propriamente dito. Foram nos calendários que os fabricantes procuraram oferecer uma imagem mais dinâmica de seus produtos e inclusive conseguiram, às vezes, criar novas idéias ou tendências. Assim ocorreu, por exemplo, com os baralhos de transformação, cujo primeiro testemunho impresso deu-se com um calendário alemão de 1804.
Em todo caso, tratando-se de cartazes ou calendários, os fabricantes procuraram oferecer em sua publicidade a mesma qualidade que a de seus baralhos. É por isso que alguns desses antigos materiais promocionais têm sido convertidos em objetos procurados  pelos colecionadores, que apreciam especialmente a beleza da gravação e a criatividade que alguns fabricantes souberam demonstrar.
Com o surgimento da litografia, os fabricantes de baralhos começaram a criar catálogos em que mostravam os diferentes tipos de cartas que produziam. Estes catálogos, sem dúvida, eram basicamente empregados como elementos de apoio para a rede de vendedores e, raramente, destinavam-se ao público. Atualmente, o desenvolvimento da transmissão de informações por meios eletrônicos, como é o caso da Internet, permitiu que os catálogos e os produtos dos fabricantes de baralhos cheguem aos clientes e aficionados em todo o mundo.


AS CARTAS E SUA DISTRIBUIÇÃO NO MUNDO

Desde suas remotas e enigmáticas origens, foram muitos os fabricantes que aportaram sua maestria à prolongada história das cartas. Durante vários séculos estes artesões tiveram limitada a venda de seus produtos em consequência dos rudimentares métodos de impressão - que não permitiam fabricar um elevado número de baralhos -e da inexistência de um mercado que superasse os confins urbanos ou regionais.
Com o auge da navegação e a expansão européia a partir do século XV, ampliou-se o âmbito de difusão das cartas. A necessidade de cobrir a demanda existente nos territórios recém descobertos fez com que algumas monarquias europeias -especialmente Espanha e Portugal, as principais impulsoras dessa expansão - tentassem controlar a produção das cartas e criar fábricas, como é o caso de Macharaviaya, que teve um papel de empresa claramente exportadora. Tratou-se, entretanto, de intentos falidos, na maioria dos casos, já que nem as circunstâncias históricas nem as tecnológicas permitiam uma distribuição organizada das cartas em escala internacional.

A REVOLUÇÃO DO SÉCULO XIX

O século XIX trouxe com ele as circunstâncias apropriadas para uma maior produção e distribuição das cartas em todo o mundo. Na Inglaterra, os principais fabricantes de cartas eram Thomas de La Rue e Goodall. Apesar da Independência dos Estados Unidos, ambos fabricantes seguiam vendendo seus baralhos na antiga colônia, até a aparição da poderosa U. S. Playing Card Co. Thomas de La Rue conseguiu implantar em São Petersburg uma unidade de produção para cobrir o mercado russo. De fato, era habitual que as principais firmas européias produzissem baralhos específicos para países que careciam de indústrias próprias ou que desejassem adquirir baralhos de qualidade superior de alguns mais qualificados.
No que se refere às antigas colônias espanholas, o México foi o único país no qual foi criada uma indústria nacional própria. No resto das ex-colônias americanas, assim como em Filipinas, a demanda foi coberta por cartas fabricadas na antiga metrópole, especialmente as das casas Roura, de Barcelona, e Fournier, de Vitória, a partir das últimas décadas do século XIX.
A indústria de cartas francesa, tendo Grimaud como máximo representante, acompanhou os colonizadores franceses em suas novas conquistas; de onde provém a notável presença do baralho francês no sudeste asiático -especialmente na Indochina -e na zona central da África. Num século marcado pela férrea competição entre as nações européias para garantir novos mercados, a Alemanha conseguiu, através da fábrica Dondorf, vender seus produtos não somente em mercados próximos, como o balcânico, mas também no Japão, Ceilão, Coréia e China, apesar de não ter conseguido estabelecer-se politicamente nesses lugares. O império austro-húngaro, por sua vez, estava bem representado em escala internacional pela firma austríaca Piatnik. Foram especialmente competitivas as indústrias de cartas belgas, as quais, de acordo com uma longa tradição, fabricavam cartas a baixo preço e qualidade, geralmente anônimas, que imitavam as produções originais inglesas. alemãs, francesas ou espanholas. Uma prática que convivia com a competência e experiência de outros fabricantes que, como Devaluy em Bruxas, tinham uma produção original e de qualidade.




A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Com a retomada dos sentimentos patrióticos e do espírito bélico, as indústrias de cartas recuperaram temas similares para suas criações, como os anteriormente expostos durante o conflito de 1914-1918.
Em 1941, a fábrica de cartas norte-americana E.E. Fairchild Corporation, de Rochester (Nova Iorque), editou um baralho de apoio aos britânicos, com o nome de Bundles for Britain.
A United States Playing Card Company também editou baralhos deste tipo, em apoio à Iugoslávia (Relief for Iugoslávia) e à Noruega (Friends of Norway).
Do lado adversário, destaca-se o baralho editado por H. Behrmann, de Flensburg, Alemanha, nos anos imediatamente anteriores ao início da guerra. Neste baralho os paus são substituídos por suásticas e a águia nazista aparece em todos os ases. Em 1941 apareceu um baralho em que se fazia uma paródia dos líderes britânicos - também se incluíam personagens de outras nacionalidades - que se mostravam em atitudes e posturas afrontosas. Nos reis aparecem Churchill, Alfred Duff Cooper, Lord Halifax (embaixador dos Estados Unidos) e Anthony Eden (ministro dos assuntos exteriores). As rainhas são quatro figuras alegóricas de uma Inglaterra agressiva. Nos valetes aparecem personagens que parecem ser os criados dos reis e pelos quais o autor do baralho manifesta um ódio especial: Ahmed Zogú (deposto rei da Albânia), Paul Reynaud (político francês), Edvard Benes (presidente tcheco no exílio) e o marechal polonês Rydzsmigly. O curinga desse baralho é um molesto Stalin. Ressalta-se, significativamente, que no ano anterior ao ataque a Pearl Harbour e a entrada oficial do Japão no conflito, havia aparecido naquele país um baralho de 60 cartas com fotografias de oficiais, soldados, barcos da marinha e aeroplanos japoneses.
Com um espírito mais didático, a indústria de cartas norte-americana Burton Crane editou um baralho de 108 cartas, a French Lingo, com o objetivo de ensinar francês aos soldados americanos destinados à Europa. Em cada carta incluíam-se cinco frases em francês.
Outro baralho bélico americano da United States Playing Card Company foi o denominado Spotter, destinado a instruir a população na prática e na técnica da observação aérea. Em cada um dos naipes mostravam-se os aviões dos exércitos em combate: espadas, Estados unidos; copas, Grã Bretanha; ouros, Alemanha; e paus, Japão.
Com a derrota dos exércitos alemães e o previsível final da guerra, os fabricantes aliados adotaram uma atitude claramente vitoriosa.
Este é o caso do baralho impresso por Waddingtons, de Leeds (Grã-Bretanha), para comemorar o desembarque da Primeira Divisão transportada via aérea em Arnhem (Holanda) em setembro de 1944; e outro, da Arrco Playing Card Company, de Chicago, chamado Victory, com imagens dos populares Tio Sam e Miss Liberty, assim como dos soldados e marinheiros nas figuras. Em 1944, também a fábrica de cartas Biermans, de Turnhour, Bélgica, editou um baralho antecipando-se à liberação e que ficou conhecido pelo nome de baralho Jeep, já que em seus dorsos aparece este popular veículo do exército norte-americano. Nos ases se reproduzem os retratos de Stalin, Montgomery, Eisenhower e De Gaulle.
Outro baralho com o nome de Victory é o editado pela Universal Playing Card Co. (antes Alf Cooke & Co.), dos Estados Unidos, com retratos dos líderes aliados - incluindo Roosevelt e Stalin - e com o lema United We Stand ("Permanecemos unidos").
Poucas semanas depois de terminada a guerra, os fabricantes belgas editaram um baralho que incluía o lema Union Fait La Force ("A união faz a força"), com um naipe dedicado a cada um dos exércitos vencedores, encabeçados pelos retratos dos líderes aliados nos reis (Churchill no rei de espadas, Roosevelt no de ouros, Stalin no de copas e De Gaulle no de paus). As damas eram quatro mulheres com aparência bélica cobertas pelas bandeiras dos quatro principais países vencedores: Grã-Bretanha (espadas), Estados Unidos (ouros), União Soviética (copas) e França (paus). Os valetes são soldados dos quatro exércitos, mostrando orgulhosamente os uniformes dos seus respectivos batalhões. Nos ases estão reproduzidos monumentos emblemáticos de cada um dos quatro países citados: o Big Ben, a estátua da Liberdade, o Kremlin e a torre Eiffel. O curinga deste baralho mostra um Hitler atordoado com uma bomba sobre sua cabeça.



A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

A Primeira Guerra Mundial - ou Grande Guerra, como ficou conhecida até a eclosão da Segunda - ofereceu grandes oportunidades para a indústria de baralhos mostrar seus fervores patrióticos.
Geralmente, os baralhos produzidos tanto de um lado (a Tríplice Aliança) como de outro (Os aliados) incluíam nas figuras retratos dos chefes de estado e dos principais generais envolvidos na guerra e, nas demais cartas, cenas bélicas. A fábrica Piatnik Und Sohne de Viena (fundada em meados do século XIX e atualmente uma das mais importantes do continente) editou um tarô em que os trunfos eram cenas de guerra. No Canadá, a Montreal Litograph Co. editou um baralho que incluía, na cara da carta, reis, generais e soldados das forças aliadas e no seu verso, as bandeiras de seis países. Também De La Rue e Goodall & Sons, na Grã-Bretanha, editaram baralhos sobre a guerra. Não aconteceu o mesmo na França, devido a uma imposição legal que impedia a variação nas cartas, em respeito aos padrões nacionais estabelecidos, mas, sim, se editaram jogos de cartas infantis patrióticos, já que estes não estavam sujeitos à mesma imposição. Nos Estados Unidos, em 1915, 1917 e 1918, editaram-se baralhos "apaixonadamente democráticos", onde se denegriam as monarquias e vangloriavam a democracia. Por outro lado, a U.S. Playing Card Company, no último ano da guerra, editou um baralho educativo com frases em francês e inglês em cada carta, com instruções sobre a pronúncia, para o uso das tropas americanas acantonadas na Europa. Um dos baralhos patrióticos mais destacados por sua qualidade, entre os editados em plena guerra, é o editado em 1916 pela Spielkarte de Altenburg. É um baralho de símbolos alemães dedicado a elevar o ânimo e afirmar o poderio do povo germânico, no qual não se inclui menção alguma sobre os inimigos. Os quatro reis são os quatro homens da família imperial: o Kaiser, os príncipes Wilhelm e Rupprecht, e o duque Albrecht. Nas outras figuras (obers e unters, todos os homens) aparecem personagens de destaque da empresa bélica germânica, como o marechal Von Hindenburg ou o conde de Zeppelin. As cartas numeradas mostram os símbolos alemães tradicionais, corações, folhas, belotas e guizos (apesar de que estes últimos estão desenhados de modo a lembrarem os balões aeroestáticos de observação), pintados sobre cenas alegóricas da Grande Guerra, como um vôo sobre a Sena ou alguns navios disparando contra a costa da Inglaterra.
Ainda que outros baralhos tivessem sido editados no final da guerra, foram os aliados que o fizeram em celebração da vitória. Os belgas, que tanto sofreram durante a guerra, editaram um baralho duplo, o mais destacado deste tipo, tanto pela rapidez com o que fizeram como também por sua qualidade e desenho. Os dois baralhos são complementares, já que em um único não caberiam todos os personagens que os belgas desejavam homenagear e nem todos os feitos que pretendiam comemorar. Assim, as cartas numeradas estavam divididas em duas metades e em cada uma delas era representada uma cena diferente, pois o número total das cenas é superior à 150 (cada baralho possuía 54 cartas, incluindo os dois curingas). Nelas se reproduziam miniaturas que mostravam batalhas e outros episódios da guerra, como o uniforme dos soldados, as armas, os veículos e todo tipo de detalhes, o que atualmente constitui uma notável fonte de informação gráfica sobre aqueles acontecimentos. Em um dos baralhos, os reis são Jorge V da Grã-Bretanha, Victor Emmanuel III da Itália e dois presidentes, Poincaré, da França, e Wilson, dos Estados Unidos. No outro baralho estão Alberto I da Bélgica; o imperador Yoshi-Hito, do Japão; Alejandro I da Sérvia e Fernando I da Romênia.
As damas são, no primeiro baralho, as esposas dos reis, as rainha Mary da Grã-Bretanha e Helena da Itália, assim como duas figuras alegóricas, Mariana da França e Miss Liberty dos Estados Unidos.
No segundo baralho aparecem as esposas dos monarcas da Bélgica, Romênia e Japão, junto a uma figura alegórica da Sérvia. Os valetes lembram os grandes chefes militares: Jofre, Foch, Haig e Cadorna, no primeiro; Pétain, Pershing, Leman e Kitchener, no segundo.



AS CARTAS NO SÉCULO XX

Com as indústrias de cartas convertidas em fábricas e os mestres deste ofício transformados em trabalhadores industriais, as cartas deixam de ser um instrumento de jogo para converter-se num objeto cuja finalidade são elas mesmas. As fábricas de cartas produzem dois tipos de baralho: por um lado, as cartas destinadas ao jogo, que tem as caras com modelo padrão, já que os jogadores são muito conservadores neste sentido (é mais fácil adotar um novo jogo ou uma variação no jogo do que um novo desenho ou uma mudança nas cartas); por outro lado, estão as cartas criadas para comemorar algum acontecimento (guerra, copas, armistício, feiras, etc), ou para ilustrar algum aspecto das atividades humanas. Estas cartas estão dirigidas aos colecionadores. Mesmo assim, o auge do marketing e as campanhas publicitárias usam as cartas como um dos seus grandes veículos publicitários. Inicialmente as cartas são utilizadas mas, quando os publicitários descobrem que os jogadores não jogam com essas cartas, a publicidade muda para o verso das cartas e as caras continuam inalteradas. Desta maneira são reduzidos os custos de impressão e a publicidade capta os jogadores.
A conversão das fábricas de cartas em indústrias modernas produziu também a sua concentração. Assim, por exemplo, nos Estados Unidos, das duzentas pequenas fábricas de cartas fundadas no século XIX passou-se a para somente cinco em 1969, e que eram: The United States Playing Card Company of Cincinnati, The Arco Playing Card Company of Chicago, Stancraft of St. Paul (Minnesota), Whitman of Racine (Wisconsin) e Kem of Poughkeepsie (Nova York). Atualmente deve ser acrescentada à lista a U.S. Games System.
A primeira das companhias citadas, a The United Playing Card Company, que domina quase dois terços do mercado americano e que tem uma grande participação na espanhola Naipes Fournier, é ao mesmo tempo uma divisão do conglomerado financeiro denominado The Diamond International Corporation de Nova York.
Outro fenômeno global que ocorreu na segunda metade do século XX é o desaparecimento generalizado dos impostos especiais sobre as cartas e das impressões que eram feitas sobre algumas cartas para indicar o pagamento dessas taxas.


OS BARALHOS COMEMORATIVOS


No final do século XIX e princípio do XX, a U.S. Playing Card Company editou um baralho em homenagem aos heróis americanos da guerra de Cuba, conhecida como a Army and Navy Pack. A guerra dos boérs, onde se enfrentaram na África do Sul os colonizadores ingleses contra os alemães e holandeses, foi também objeto de vários baralhos entre os quais se destacam o de C.L. Wust de Frankfurt, celebrando as vitórias boérs sobre os ingleses. Um outro baralho criado por H.M. Guest (proprietário de um jornal local e correspondente da Reuter), na África do Sul, para contrapor a escassez de baralhos motivada pela guerra, foi impresso sobre papel ordinário e possui um caráter completamente artesanal.
As coroações de Eduardo VII, filho da rainha Vitória e, posteriormente, a de seu sucessor Jorge V, serviram para que as companhias inglesas (De la Rue, Waddington, Goodall & Sons) editassem baralhos comemorativos de tais eventos. A abertura da passagem de Yukon no final de 1899 também foi comemorada pela U.S. Playing Cards com um baralho, a White Pass and Yukon Route, que deu início a uma série de baralhos de temas geográficos.
Assim, em 1901, foram editados os de Hawai, Califórnia e as cataratas de Niágara, seguidas por uma produção incessante de cartas geográficas de todas as regiões do planeta.
Na Espanha destacam-se os baralhos taurinos, nos quias são representados os heróis e as figuras dos torneios (ainda que este tipo de baralho já era produzido na segunda metade do século XIX), os de tipos literários com Dom Quixote ou Dom Juan Tenório e os satíricos, muito populares nas duas primeiras décadas do século e que mais tarde foram retomadas pelas revistas de humor (El Papus, El Jueves, entre outras) nos últimos decênios do século. Também foram editados baralhos comemorativos do descobrimento da América e outros importantes acontecimentos históricos.
Uma novidade curiosa na fabricação de cartas é o aparecimento de cartas de formas diferentes (redondas, em zig-zag, etc), ou com os naipes de cores variadas com objetivo de evitar confusões e faltas. Um exemplo destacado é o baralho impresso em Vitória por Hijos de Heráclio Fournier que representa os quatro naipes nas cores preta, verde, vermelha e azul.
A especialidade dos baralhos de tarô de advinhação, que não estão destinados ao jogo, foi especialmente fértil na criação e realização de todo tipo de desenho. É importante destacar como exemplos extremos destas cartas o baralho desenhado por Salvador Dali e o utilizado no filme Viva e Deixe Morrer (1973), protagonizado pelo célebre agente secreto James Bond.





terça-feira, 1 de maio de 2012

A WORSHIPFUL COMPANY OF MAKERS OF PLAYING CARDS

Em 22 de outubro de 1628, o rei Carlos I da Inglaterra aprovou a criação da Company of the Mistery of Makers of Playing Cards of the City of London, que era um grêmio dos fabricantes de cartas de Londres. Uma das primeiras conquistas deste grêmio foi a proibição das importações de cartas nos reinos da Inglaterra e Gales a partir de 1 de dezembro de 1628, promulgada pelo rei. Em troca desta proibição, o rei impôs uma taxa sobre a fabricação de cartas - para compensar as que recebia até então sobre as importações - que era de três chelines sobre cada grosa de baralhos (144), dos quais dois chelines eram para o rei e um cheline para o funcionário encarregado de sua cobrança (Receiver os the Duty). Além disso, a empresa se comprometia a produzir cartas suficientes para atender a demanda a um preço que não deveria ser superior ao dos baralhos estrangeiros vendidos na Inglaterra durante os sete anos precedentes.
Todos os baralhos deviam ser selados pelo receiver e ter uma marca própria que identificasse o fabricante. A companhia podia supervisionar o comércio de cartas em Londres e numa área de 10 milhas em volta da cidade.
Nos anos posteriores, a companhia fez novas petições ao rei para perseguir e castigar os infratores do monopólio, e foram promulgadas diversas leis, sempre em troca de aumentos das taxas. Numa destas lei, promulgada em 1712 pelo Parlamento, estabeleceu-se que a marca do fabricante deveria figurar em uma das cartas do baralho e o ás de espadas foi o escolhido.
A taxa foi sendo ajustada durante o século XVIII (seis peniques por baralho em 1711, um chelin por baralho em 1756, em chelin e seis peniques por baralho em 1766, dois chelins por baralho a partir de 1789 e dois chelins e seis peniques por baralho desde 1801), o que acabou levando a uma crescente diminuição das vendas dos baralhos da companhia, ao contrabando e à evasão de impostos, sendo que a taxa foi drasticamente reduzida em 1828 a um chelin por baralho e a três peniques (como Excise Duty) em 1862, valor que se manteve até sua abolição em 1960.
Desde sua fundação, a companhia, que passou a se chamar oficialmente Worshipful Company of Makers of Playing Cards, celebra uma ceia anual no dia de Santo André (30 de novembro), ou nos dias anteriores a essa data, para escolher por um ano um Master e dois Wardens. Estas ceias têm sido celebradas a cada ano, exceto durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Na ceia de 1882, cada um dos membros presentes recebeu um par de baralhos comemorativos num estojo de couro. Então foi decidido que a cada ano os membros da companhia receberiam um baralho comemorativo, desde que comparecessem à ceia anual. Esta limitação, entretanto, foi abolida mais tarde.
O ás de espadas destes baralhos comemorativos inclui o retrato de Master e seu nome, e também os nomes dos Wardens. Os versos fazem referência a algum acontecimento destacado do ano anterior e incluem o escudo da companhia. Pode haver diferenças de cor entre os dois dorsos dos baralhos do estojo, que podem ter desenhos diferentes.
Em algumas ocasiões excepcionais a companhia editou baralhos comemorativos extraordinários: corações dos reis Eduardo VII e Jorge V, 75º aniversário da rainha Vitória, etc. Outros baralhos excepcionais foram enviados aos combatentes e aos feridos, nos hospitais no transcurso da Primeira Guerra Mundial.
Atualmente, a Companhia já não possui os amplos e exagerados poderes que originalmente tinha sobre o comércio de cartas, suas normas detalhadas, ordens e constituições. No entanto, continua protegendo seus interesses, entre os quais encontra-se uma fundação destinada a obter verba para a educação dos filhos ou órfãos dos fabricantes de cartas.
Outras associações de grêmios londrinas que incluíram entre suas tradições a oferta de cartas comemorativas como lembrança aos participantes em suas ceias anuais são Clothworkers (1949), Feltmakers (1900), Fishmongers (1980), Frameworker Knitters (1988), Haberdashers (1910, 1961-65, 1979), Mercers (1982), Tin plate workers (1982), Weavers (1987), Saddlers (1965), Skinners (1889, 1948, 1961-65) e Tallow Chandlers (1985).



BARALHOS DE TRANSFORMAÇÃO

O século XIX oferece aos pesquisadores e colecionadores de cartas alguns baralhos a um só tempo atraentes e surpreendentes, nos quais os símbolos dos naipes se integram à ilustração de cada carta de uma maneira tão engenhosa quanto, com frequência, carregada de ironia ou de humor. Trata-se dos chamados "baralhos de transformação", de origem e significados que ainda permanecem pouco claros.
Segundo o professor Detlef Hoffman, é possível que a idéia tenha surgido de uma espécie de entretenimento praticado pelos ingleses no final do século XVIII, que consistia em fazer nas cartas de baralho os mais atrevidos desenhos. Outras teorias sustentam que a origem dos baralhos de transformação está nos desenhos que as crianças faziam nas cartas para divertir-se, ou mesmo em simples exercícios de estilo de alguns desenhistas ou pintores. Seja como for, o fato é que esses baralhos, fabricados tanto na Inglaterra como na Alemanha, na Polônia e nos Estados Unidos, chegaram a alcançar uma qualidade artística e uma criatividade extraordinária. Às vezes, os artistas tomavam certas liberdades ainda maiores, deslocando os símbolos das cartas para melhor adaptá-los a seus desenhos, ou incluindo nelas textos e jogos de palavras. Isso gerou discussões entre especialistas, já que alguns preferem considerar esses produtos como baralhos ilustrados, e não especificamente como baralhos de transformação.
Entre os autores desses curiosos baralhos, podem ser encontrados personagens tão inesperados como John Butler Yeats - pai do célebre peota irlandês William Butler Yeats - ou o escritor inglês William Makepiece Thackeray, autor dos romances Feira das vaidades e Barry Lyndon, entre outros. As 21 cartas transformadas de Thackeray foram publicadas postumamente por sua filha, que as inclui num livro em que reuniu diversos textos inéditos do escritor. Thackeray tinha a intenção de completar a "transformação" de todas as cartas do baralho, mas a morte prematura impediu-o de realizar a tarefa.
O baralho de transformação impresso mais antigo é atribuído ao alemão J. G. Cotta. Esse conjunto de cartas ficou conhecido pelo nome original de Die Spielkarten Almanache (O almanaque do jogo de cartas), pois ele era vendido junto com um calendário e um folheto explicativo. Dedicado a Joana d'Arc, o baralho de Cotta foi impresso em 1804 para ser distrbuído na época do Ano Novo de 1805. O mesmo fabricante produziria posteriormente outros cinco baralhos de transformação.
Os baralhos alemães tinham conteúdo mais sério do que os do grupo conhecido como Metastasis/Transformation Cards, fabricados na Inglaterra entre 1803 e 1812. Essas cartas, que não constituíam um baralho completo, foram desenhadas por John Nixon, considerado por alguns como o inventor das cartas de transformação. Seus desenhos originais foram copiados em repetidas ocasiões e muitos deles aparecem no primeiro baralho de transformação inglês completo, produzido por J. Fuller em 1811.
No caso dos Estados Unidos, o primeiro baralho de transformação, impresso por Charles Bartlett, de Nova York, data de 1833. Posteriormente apareceram o Samuel Hart Transformation Deck, da Samuel Hart & Company of New York and Philadelfia, em 1860, e as Eclipse Comic Playing Cards, de F. H. Lowerre, em 1876. Em 1879, C. E. Carryl desenhou um baralho para a empresa Tiffany's, de Nova York, conhecido como Harlequin Playing Cards. Também são importantes os baralhos de transformação fabricados nos Estados Unidos entre 1895 e 1896 pela United States Playing Card Company, entre os quais se destacam o Hustling Joe, o Hustling Joe II, o Vanity Fair e o Ye Witches' Fortune Cards.
Por essa época, o mundo começava a testemunhar o declínio dos baralhos de transformação, hoje conservados como uma curiosidade do século XIX e como valiosas peças de coleção, já que são muito difíceis de encontrar. Os artistas que no século XX desenharam cartas o fizeram de forma completa, incluídos os símbolos (como acontece com o famoso Tarô de Salvador Dalí). Com isso, pôs-se um fim no desenho sobre a própria carta, que é a base dos baralhos de transformação.

OS MODELOS DO BARALHO ESPANHOL

De acordo com um mesmo padrão (sete ou nove cartas numerais e três figuras características: sota, cavalo e rei) foram fabricados numerosos tipos de baralhos espanhóis seguindo diversos padrões ou modelos. Segundo a classificação proposta por um dos maiores especialistas mundiais em cartas espanholas, Trevor Denning, os sucessivos modelos de cartas espanholas são os detalhados abaixo.



ARCAICO HISPANO-PORTUGUÊS

As cartas do baralho espanhol anteriores à segunda metade do século XVI possuíam diversas características que desapareceram nas cartas espanholas, mas que se mantiveram nas portuguesas: reis sentados, sotas femininas, copas com o hemisfério, e bastões e espadas frequentemente cruzadas em diagonal.


ARCAICO FRANCO-ESPANHOL

A maioria das cartas do século XVI de símbolos espanhóis que se conservam provém de fontes francesas, sendo possível supor que o baralho espanhol se originou na França e dali passou para a Espanha (em realidade, os territórios franceses - Rossellón e Cerdaña - faziam parte nessa época da monarquia hispânica). O baralho franco-espanhol típico constava de 48 cartas, com nove cartas numerais e três figuras (rei, cavalo e sota masculina) em cada naipe. As copas eram cubou ou cilindros com uma pequena base. Com exceção do três de bastões, raramente eram cruzados os signos dos naipes de bastões e espadas. Frequentemente a sota de ouros está virada de costas e olha por cima do ombro.


NACIONAL ESPANHOL

Este modelo deixou de ser utilizado na Espanha em meados do século XIX, mas seguiu sendo utilizado na França, América do Sul e norte de África. Os pés dos reis estão ocultos sob a roupa. Não possuem barba. No naipe de bastões, o cetro do rei está preso numa forquilha, o do cavalo é representado por este animal e o da sota é ligeiramente cônico. As copas são cúbicas, com linhas retas. O cavaleiro de ouros está de perfil, não de costas.
A partir do século XVIII é comum a inscrição AHI VA (escrita de variadas formas) aos pés do cavalo de copas. O ás de ouros costuma ser uma moeda grande com uma fita em cima e embaixo.


CÁDIZ

Este modelo foi utilizado sobretudo pelos fabricantes que se instalaram na zona de Cádiz para abastecer os países da América do Sul.
As copas são similares às do nacional espanhol. Os reis e os cavaleiros possuem bigode. As vestimentas dos reis não chegam a cobrir os pés. Cavaleiros e sotas usam calças de montar, às vezes acolchoadas, e blusões até a cintura. A maioria levam ombreiras volumosas. A expressão AHI VA aparece no cavalo de copas. O desenho de ouros é muito detalhado. O ás de ouro é uma moeda coberta com uma coroa com fitas e rodeada com ramas de palma e oliveira.


PARISIENSE

É uma versão do modelo nacional espanhol destinada ao mercado francês, como demonstram os cavaleiros, que se convertem em amazonas, ainda que esta característica não se mantenha sempre. Em algumas versões os reis têm barba e usam túnicas curtas que deixam à vista suas pernas. Algumas vezes aparece um cachorro na sota de ouros.


ROXAS/SARDO

A primeira versão deste modelo é a que foi criada por José Martínez de Castro e publicada por Clemente Roxas (Madri, 1810 e 1812). Versões posteriores, simplificadas, aparecem em Barcelona. Adotado na Cerdenha, é, atualmente, o modelo local utilizado. O rei de ouros sustenta um grande ouro e está de pé sobre uma mesa coberta com uma toalha. Todas as figuras das espadas levam armadura e todas as sotas têm chapéus com penas. Os ases de espadas e bastões estão sustentados por anjos. As cartas quatro (4) levam diferentes charges no centro.


MACIÀ

Este modelo da primeira metade do século XIX é associado à família Macià, mas foi copiado por outros fabricantes, alguns italianos. As copas parecem urnas com tampa. Os reis têm as pernas totalmente descobertas e usam capas que lhes caem pelos ombros sobre blusas folgadas; os de espadas e copas levam coroas de louros. O cavalo de copas olha em direção à direita, enquanto que o de espadas olha para a esquerda (a direção destas cartas se inverte em algumas ocasiões). O ás de ouros é uma moeda coroada emoldurada por bandeiras.


GARCIA

Os reis mostram os tornozelos e os pés. O rei de copas não tem cetro, mas sustenta o símbolo do naipe. O cavalo de ouros olha em direção à direita; o de bastões tem a cabeça girada para olhar para trás. As sotas levam meias e vestes de montaria; a de bastões às vezes usa calça. As sotas de copas e ouros usam blusas com cinturão e saias soltas. As copas são hemisféricas. O ás de ouros é um escudo rodeado por uma coroa de louros e enfeitado com fitas.


CATALÃO MODERNO

As canelas dos reis são visíveis sob suas vestimentas. Todas as figuras, geralmente, mas não invariavelmente, estão rasuradas, com suaves expressões joviais; as de bastões parecem levar uniforme. As copas são como recipientes de ovos. O quatro de copas (também pode ser outra carta) leva o escudo de Catalunha ou outro símbolo regional. O ás de ouros é uma moeda coroada e com bandeiras, colocada sobre uma plataforma decorada com símbolos mercantis.


CASTELHANO

Este modelo, que é o mais popular atualmente na Espanha, foi criado pela indústria de cartas Fournier de Vitória em 1889, e foi copiado por numerosos fabricantes de cartas espanhóis e de outros países. Todos os reis têm barba e levam ou empunham espadas, mas nenhum tem cetro; o de bastões está de perfil e suas roupas são luxuosas e muito decoradas. Os cavalos não estão levantados e os quatro levam mantas decoradas cobrindo-os; o cavaleiro de bastões não usa estribos. As copas estão mais decoradas que as do modelo catalão. O ás de ouros inclui um retrato de perfil numa moeda de ouro rodeada por bandeiras, palmas, ramas de oliveira e outros motivos ornamentais.