sábado, 28 de janeiro de 2012

OS DIVERSOS BARALHOS CLÁSSICOS

TARÔ


Não há unanimidade entre os historiadores a respeito da origem e da evolução do baralho do tarô. Alguns as explicam a partir de certos arcanos maiores iniciais que eram utilizados com fins educativos. Dali em diante, essas cartas teriam ganho um sentido mágico e divinatório, vinculado a antigas filosofias e religiões. Em tempos marcados pelo dogmatismo religioso e pela perseguição a qualquer atividade relacionada com o ocultismo, as demais cartas do baralho do tarô teriam sido acrescentadas para disfarçar aqueles arcanos suspeitos. Afinal, existiria melhor modo de esconder certas cartas do que colocá-las entre outras cartas, como mostra Edgar Allan Poe em A carta roubada?




Outros estudiosos, porém, acreditaram que os arcanos maiores foram incorporados ao baralho para que em alguns jogos houvesse algumas cartas que fossem sempre de trunfo. Isso é o que parecem demonstrar as evidências históricas, já que o tarô aparece na Itália entre os anos 1430 e 1440 como uma variante do baralho italiano, ao que se acrescentaram 21 cartas de trunfo e uma extravagante carta avulsa, o louco.

Conhecem-se também outros tarôs medievais com mais cartas (97 no florentino de Minchiate, que acrescentou mais arcanos maiores, entre eles as virtudes cardeais completas) ou com menos (63 em um tarô alemão, resultado da redução das cartas numeradas e da modificação dos arcanos maiores).


TARÔ DIVINATÓRIO E TARÔ DE JOGO

Há dois tipos principais de baralhos de tarô: os de advinhação (divinatórios) e os de jogo. Eles se diferenciam pelo desenho dos trunfos ou arcanos maiores.




Em ambos os casos, o baralho atual de tarô consiste de 78 cartas, que se dividem em 22 trunfos ou arcanos maiores e quatro naipes de 14 cartas cada um (56 arcanos menores). Os desenhos dos arcanos maiores dos baralhos divinatórios costumam basear-se nas características do Tarô de Marselha ou então na equivalência entre os números naturais do 1 ao 22 e as 22 letras do alfabeto hebreu (tarô cabalístico). Além do mencionado Tarô de Marselha, são igualmente célebres o Tarô Rider, concebido por A. E. Waite e que também mostra ilustrações divinatórias nos arcanos menores, o Tarô Espanhol, o Tarô de Euskalerría, o Tarô de Thot, desenhado por Aleister Crowley (destacado discípulo de Waite) e ainda o tarô ilustrado pelo pintor surrealista espanhol Salvador Dalí.
Os arcanos maiores do tarô são o mago (I), a sacerdotista ou papisa (II), a imperatriz (III), o imperador (IV), o papa (V), o enamorado (VI), o carro (VII), a justiça (VIII), o ermitão (IX), a roda da fortuna (X), a força (XI), o enforcado (XII), a morte (XIII), a temperança (XIV), o diabo (XV), a torre (XVI), a estrela (XVII), a lua (XVIII), o sol (XIX), o juízo (XX), o mundo (XXI) e o louco (sem número).
Nos baralhos de tarô de jogar, essas 22 cartas, que são sempre trunfos, representam habitualmente cenas da vida social ou cortesã, sem nenhum sentido divinatório. Outra diferença notável é que elas costumam ser reversíveis, como as figuras.
Os naipes dos arcanos menores são quatro. Nos tarôs divinatórios, eles normalmente correspondem aos do baralho italiano: ouros, copas, espadas e paus. Nos de jogo, os naipes costumam ser os do baralho francês: diamantes (ouros), corações (copas), lanças (espadas) e trevos (paus).
As catorze cartas de cada naipe compreendem desde o ás (ou um) até o dez, mais as figuras, que são em número de quatro: sota ou valete, cavalo ou cavaleiro, rainha ou dama e rei.
Uma das principais características dos atuais baralhos de tarô é que eles costumam ter um tamanho maior do que o dos baralhos de jogar convencionais. O baralho de tarô de jogo tem em geral um tamanho que fica entre o do tarô divinatório e o dos baralhos convencionais utilizados habitualmente. A idéia, com isso, é tornar mais simples o manejo de suas cartas.







O BARALHO ESPANHOL


O baralho espanhol tradicional compõe-se de quatro naipes ou séries de cartas: ouros, copas, espadas e paus (bastões). Cada um dos naipes é formado por sete ou nove cartas com índice numérico e três figuras (valete, cavaleiro e rei), estas sempre numeradas de 10 a 12, independente das cartas de índice numérico que estejam em uso. Assim, o baralho espanhol pode ser de 49 cartas (do um ao sete mais as três figuras, por naipe). É incorreto considerar o de 40 cartas como um baralho incompleto, ao qual faltariam as cartas oito e nove. Trata-se de um baralho diferente, para jogos específicos, mas é em si mesmo um baralho espanhol completo.
O rei é representado pela figura de um monarca coroado, que está de pé. Geralmente, trata-se de homens de idade, com barbas, embora os reis de copas e de ouros costumem parecer mais jovens. Normalmente, o rei de copas aparece com um cetro.
A figura do cavaleiro, um ginete montado num cavalo que se apóia nas patas traseiras, é a que mantém a iconografia mais característica da Idade Média. Em alguns baralhos, extremamente raros, os cavaleiros aparecem desmontados, puxando o cavalo pela rédea. Desde o século XVIII, os cavaleiros de copas e de ouros costumam olhar para a esquerda, enquanto os de paus e os de espadas o fazem para a direita. Foi também naquele século que começou a aparecer a expressão "Ahí vá" (aí vai) - também escrita "AI-VA" - aos pés do cavaleiro de copas.
O valete, representado como um pajem colocado de pé, simboliza o criado ou o mensageiro. As cores das calças, inicialmente todas vermelhas, e dos saiotes, bem como a posição das pernas e a colocação do motivo do naipe, variam segundo os naipes e a imaginação dos autores de cada desenho.




OS SINAIS E OS SÍMBOLOS

Uma das inovações do baralho espanhol em relação aos de outros países foi a adoção dos sinais, ou descontinuidades da linha reta, nos lados inferior e superior do retângulo que encerra os motivos de cada carta. Essas interrupções na linha já apareciam em baralhos do século XVI para, segundo se acredita, dificultar aos "sapos" a visão das cartas, objetivo que posteriormente seria aperfeiçoado com a utilização dos índices. De fato, ambos os recursos fazem com que o jogador não precise abrir totalmente as cartas que tem na mão para saber quais são, já que basta separá-las um pouco para identificar qual é cada figura ou carta de índice numérico, e a que naipe ela pertence. O naipe de ouros não tem sinais (ou seja, a linha do retângulo é fechada); o de copas tem uma interrupção; o de espadas, duas; e o de paus, três. É possível observar que, com a adoção dos sinais, os naipes do baralho são ordenados do seguinte modo: ouros, copas, espadas e paus. Isto é, segundo a interpretação mais comum da simbologia dos naipes, primeiro vem a monarquia; depois, a  Igreja; segue-se a nobreza; e, em último lugar, o povo.



Outras interpretações dos naipes associam os ouros aos comerciantes e burgueses, em lugar de relacioná-los à monarquia. Há mesmo quem atribua a invenção dos naipes do baralho espanhol a um taberneiro que colocava cartas à disposição de seus fregueses, para que se distraíssem. Nessas cartas, as copas representariam a taverna; os ouros, o dinheiro com o qual os clientes pagavam; e as espadas e os paus, os instrumentos com que eram dirimidas as divergências, provocadas ou não pelo jogo. Segundo essa interpretação, os quatros símbolos do baralho seriam os quatros motivos mais próximos aos jogadores.
No baralho espanhol, os símbolos ou motivos dos naipes aparecem colocadas ordenadamente em todas as cartas, exceto no três de paus, no qual os símbolos costumam estar cruzados. As copas são as figuras que mostram mais diferenças em seu desenho, variando de formas retas, geométricas, até as semelhantes a urnas muito ornamentadas, passando por cálices e vasos de todo tipo. Normalmente, a informação sobre o fabricante aparece inscrita no ás de ouros. Mas também o quatro de copas e o quatro de ouros - e, em alguns casos, o dois de paus e o dois de espadas - costumam conter dados sobre a fabricação ou a propriedade do baralho.




BARALHO ALEMÃO

Existem dois tipos de baralho que podem ser incluídos na classificação genérica de baralho alemão. Um deles é o de 52 cartas, versão germânica dos baralhos francês e inglês; outro é o baralho de símbolos alemães, geralmente compostos por 32 ou por 36 cartas. O baralho de 52 cartas compreende os conhecidos quatro naipes - de paus, ouros, copas e espadas. Cada um desses naipes engloba treze cartas: ás (A), dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e dez, mais as três figuras: o valete, que recebe o nome de bube (B), equivalente ao valete francês e ao jack inglês; a dama, chamada dame (D), equivalente à dame francesa e à queen inglesa; e o rei, o könig (K), equivalente ao roi francês e ao king inglês. Os desenhos dessas figuras são os que se apresentam mais elaborados nos dois tipos de baralho alemão. Em muitos casos, trata-se de verdadeiras obras de arte, que se vinculam à tradição dos gravadores germânicos, considerados entre os de mais prestígio na Europa.
O segundo tipo de baralho, sem dúvida o mais ligado à cultura popular e à iconografia alemãs, tem por símbolos corações, bolotas, guizos e folhas. Esses signos, tal como ocorre no baralho espanhol, estão associados aos diversos  estamentos da sociedade medieval. Assim, considera-se que os corações representam a Igreja; os guizos, a nobreza (por sua afeição à falcoaria); as folhas, à burguesia; e as bolotas, aos servos e classes inferiores. A prática da caça, muito difundida entre as classes mais ricas na Idade Média, foi a principal fonte de inspiração para os pintores de cartas que produziram os primeiros baralhos alemães de que se tem notícia.
Nesse segundo tipo de baralho aparecem também três figuras, que são o König, o rei, e dois cortesãos, o obermann e o untermann, habitualmente chamados de ober e unter. Pode-se observar que, tal como no caso do baralho espanhol, a figura feminina não existe. O dez foi substituído por uma bandeira ou estandarte, carta que às vezes ostenta a letra X, clara referência a seu valor numérico.
O número de cartas do baralho alemão variou ao longo dos séculos, desde o primitivo conjunto, de 52 cartas. Em primeiro lugar desapareceram os ases, com o que o total ficou reduzido a 48 cartas. Não se sabe a razão precisa para isso, especialmente considerando-se que não há informação sobre a existência de algum jogo alemão que requeira esse número de cartas. Seja como for, ao desaparecer o ás passou-se a dar grande importância ao desenho do dois, que se tornou extremamente ornamentado. A redução a 32 ou 36 cartas é uma adaptação funcional para os jogos skat e trápola, que exigem apenas essas quantidades de cartas. Faz-se a redução pela eliminação dos três, dos quatros, dos cincos e dos seis (estes últimos apenas no baralho de 32 cartas).
Um fato curioso a assinalar é que na figura do ober o símbolo do naipe encontra-se na parte superior da carta, enquanto no unter ela aparece na parte inferior. Talvez com isso se tenha pretendido ressaltar a diferença de hierarquia desses cortesãos.


BARALHO SUÍÇO

Trata-se de uma evolução do baralho alemão, caracterizada pela diferente simbologia utilizada para assinalar os naipes. O baralho suíço tem as mesmas figuras - könig, ober, unter - e elementos do baralho alemão: bandeira no lugar do dez, ausência do ás e um papel honorífico especial do dois, no desenho e no jogo. No entanto, os naipes desse baralho incluem escudos ou brasões no lugar dos corações, bem como flores no lugar das folhas. As bolotas e os guizos permanecem.


O BARALHO FRANCÊS

O baralho francês compõe-se de 52 cartas distribuídas em quatro naipes: paus, ouros, copas e espadas. Cada um desses naipes é constituído por treze cartas: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez e as três figuras, que se chamam valete (V, de valet, equivalente ao bube alemão, ao jack inglês e à sota espanhola), dama (D, de dame, equivalente à dame alemã e à queen inglesa) e rei (R, de roi, equivalente ao könig alemão, ao king inglês e ao rey do baralho espanhol).
É importante ressaltar que a carta com um símbolo, que nos baralhos inglês e alemão aparece com a indicação A (ás), apresenta no baralho francês um índice numérico - o 1 - , como as demais cartar numeradas. Não obstante, na maioria dos jogos ela mantém a condição alternativa do ás, ou seja, de carta de valor máximo. Também existem alguns baralhos franceses nos quais os ases se apresentam com o A e não com o 1, mas são casos raros e gerados basicamente por influências externas.


Não se conhecem com precisão as origens dos símbolos do baralho francês. Alguns os consideram adaptações dos símbolos alemãs (via fronteira leste da França), enquanto outros os atribuem à influência dos naipes dos baralhos espanhol, italiano e do tarô (pela fronteira sul). Assim, para os primeiros, as bolotas de carvalho e as folhas teriam sido convertidas em paus e espadas, respectivamente, enquanto as copas teriam sido mantidas e os guizos, substituídos por ouros - única contribuição "original" da França aos símbolos dos naipes. Para um segundo grupo de estudiosos, porém, a forma dos cálices ou copas dos baralhos espanhol e italiano teria levado aos corações das copas francesas; as folhas dos bastões teriam originado os trevos dos paus; as pontas de lança teriam substituído, como símbolo militar, as espadas; e os ouros, um símbolo de riqueza, teriam dado origem aos losangos dos ouros. No entanto, o nome francês para este último naipe (carreau, ou seja, ladrilho) nada tem a ver com riqueza e sim com a forma do desenho.
Sejam quais foram suas origens, os baralhos com os símbolos franceses já eram usados nas primeiras décadas do século XV. Alguns chegam a atribuir sua invenção ao nobre Etienne de Vignoles, mais conhecido como La Hire, que morreu em 1442.
Comparado a outros baralhos usuais da época (italiano, espanhol e alemão), o baralho francês  é original na adoção da personagem feminina (a dame) como figura intermediária, já que tanto no baralho alemão (oberman) como nos italiano e espanhol (cavalo/cavaleiro) essa figura, como as outras duas, é masculina. Não se conhece o motivo exato dessa preferência, que é atribuída tanto à influência das rainhas francesas quanto à de Joana d'Are, a heroína francesa da Guerra dos Cem Anos contra os ingleses. É possível, também, que a dame proceda das quatro figuras do baralho de tarô.


NOMES DAS FIGURAS

Uma curiosa particularidade das figuras do baralho francês é o fato de que elas têm nomes próprios - embora nem sempre tenham sido os mesmos, pois foram variando segundo o gosto da sociedade e os vaivéns da história.
Alguns dos nomes utilizados são estes:
  • reis: Davi (rei dos judeus), Carlos Magno (imperador do Sacro Império), César (representante da Roma antiga) e Alexandre (representante da Grécia clássica);
  • damas: Argine (anagrama de Regina, pela rainha Maria d'Anjou, esposa de Carlos VII), Raquel (personagem bíblica), Palas (deusa grega da sabedoria) e Judite (personagem bíblica);
  • valetes: Lancelot e d'Ogier (cavaleiros da mítica Távola Redonda do rei Arthur), Heitor e La Hire (cavaleiros do rei Carlos VII).
Durante a Revolução, os reis converteram-se em cidadãos e foram representados por personagens clássicos (Sólon, Platão, Catão, Brutus) ou por escritores franceses célebres (Molière, Voltaire, La Fontaine, Rousseau); as damas foram personificações de virtudes (Justiça, Prudência, União, Força); e outros personagens, como Aníbal, Décio e Horácio, substituíram os valores tradicionais. Também durante a época revolucionária, as figuras foram trocadas por cartas simbólicas (Lei, Liberdade, Providência e Igualdade), pelas quatro estações do ano ou pelos quatro elementos dos gregos (Água, Fogo, Ar e Terra).
Com a restauração monárquica pós-napoleônica, voltaram a ser utilizados reis (Carlos Magno, São Luís, Francisco I e Henrique I), damas (Hildegarda, Branca de Castela, Margarida de Valois e Joana de Albret) e valetes (Rolando, Bayard, Joinville e Crillon).
A literatura e a política contribuíram no século XIX com sua própria iconografia. Assim, é possível encontrar baralhos com figuras inspiradas em romances célebres como os três mosqueteiros e mesmo um baralho no qual os reis são Vitor Hugo, Mac Mahon, Thiers e Jules Ferry.


O BARALHO INGLÊS


O baralho inglês é uma derivação do baralho francês, motivo pelo qual, como este, compõe-se de 52 cartas distribuídas em quatro naipes de treze cartas cada um: copas (hearts), espadas (spades), ouros (diamonds) e paus (clubs). Espadas e paus são os naipes de cor preta; copas e ouros, os de cor vermelha.
Os nomes dos naipes vermelhos guardam uma evidente relação com os símbolos que os representam. Também existe uma correspondência entre os nomes espanhóis e ingleses desses naipes. Contudo, são um tanto surpreendente os nomes dos naipes pretos no baralho inglês: assim, paus são clubs (bastões) e não clovers (trevos) ou trefoils (trevos); e as espadas, representam por uma folha pontiaguda, chamam-se spades (pás) e não pikes (piques) ou lances (lanças). O motivo disso talvez resida na extra-ordinária influência que tiveram na Inglaterra o jogo espanhol hombre e os naipes do baralho espanhol: de "espadas" derivou spades, enquanto o nome inglês dos bastões (clubs) foi utilizado para denominar o naipe de paus.
Enquanto no baralho francês há dez cartas numeradas (de um a dez, correspondendo a carta de índice 1 ao ás), no baralho inglês há só nove (de dois a dez), já que neste o ás pertence ao grupo das cartas com índices definidos por letras. Esse grupo compreende o ás (A, de ace), o rei (k, de king), a dama (Q, de queen) e o valete (J, de jack, carta equivalente à sota do baralho espanhol).
O nome "ás" (ace), que designa a carta de cada naipe que tem como único símbolo uma letra, vem do termo latino as e do grego heis, ambos usados para indicar a unidade, o um. Por esse motivo, essa carta deveria ser a inferior do baralho; no entanto, na maioria dos jogos ela funciona justamente como carta máxima. Não se sabe ao certo a origem dessa transposição de valores. Alguns estudiosos a atribuem às mudanças ocorridas com a Guerra de Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, quando o povo de ambos os países rebelou-se contra os respectivos soberanos (o cidadão, o "um", passa a ser considerado o verdadeiro poder). É difícil, porém, aceitar a interpretação. Afinal, mesmo antes de se produzirem aqueles acontecimentos históricos, o ás já tinha o valor de carta máxima em muitos jogos.
Os desenhos das figuras do baralho inglês provêm do modelo francês chamado "de Rouen". Em 1628, durante o reinado de Carlos I, proibiu-se a importação de qualquer tipo de baralho para favorecer-se a produção nacional. Dessa proibição. associada a menor habilidade dos gravadores inglês comparada à dos alemães e franceses, originam-se as atuais figuras do baralho inglês, caracterizadas por traços mais simples e esquematizados. A expansão do Império Britânico por todo o planeta, contudo, converteu esse baralho numa espécie de padrão mundial para as cartas de jogo. Em 1712, estabeleceu-se a obrigação de Imprimir-se o selo imposto no ás de espadas, no qual também deveria constar o nome do fabricante. Em 1882, os fabricantes de cartas britânicos criaram a Worshipful Company of Makers of Playing Cards, que desde aquela época reúne-se anualmente num banquete, durante o qual é escolhido um mestre produtor de cartas. Esse mestre apresenta no banquete seguinte um baralho cujas cartas mostram, nas costas, uma alegoria do acontecimento mais importante do ano e, na frente do ás de espadas, a fotografia do próprio mestre.
As figuras reversíveis apareceram por volta de 1850. Mas só pelo menos dez anos mais tarde é que elas teriam plena aceitação nos tradicionais clubes ingleses.

AS FIGURAS DO BARALHO INGLÊS



Observando-se um baralho inglês atual, pode-se notar que o rei de copas parece ocultar uma espada por trás de sua cabeças. Originalmente, essa espada era um machado, que ele mantinha erguido em atitude ameaçadora. A figura do soberano empunhando o machado era vista por muitos como um retrato do rei Henrique VIII e uma alegoria de sua sangrenta história. Mas isso não passava de um equívoco, porque o desenho dessa figura é anterior àquele rei.
As quatro damas levam flores nas mãos, mas a de espadas empunha, além disso, um cetro, que parece ser uma lembrança da espada original. Outra particularidade das figuras do baralho inglês: as folhas agarradas pelo valete de copas com a mão direita derivam da empunhadura da espada que, antes, ele carregava.

MUSEU FOURNIER DE CARTAS DE ÁLAVA



Considerada atualmente um dos mais importantes museus de cartas de todo mundo, essa instituição nasceu como fruto da paixão de colecionador de Félix Alfaro Fournier, neto do fundador da famosa dinastia alavense de fabricantes de baralhos. Felix inspirou-se no Museu de Cartas de Bielefeld, na Alemanha - hoje denominado Deustsches Spielkarten Museum -, para organizar sua coleção e instalar, inicialmente no próprio edifício da empresa Heraclio Fournier S.A., o que seria a semente do atual Museu Fournier de Cartas de Álava.
A coleção começou com dois baralhos espanhóis do século XIX que o avô de Félix guardava em seu escritório, um deles com figuras de inspiração mitológica, fabricado em Madri, em 1815, por Josef de Monjardín, e outro impresso em 1839, em Barcelona, por J.J. Maciá.
Dali em diante, Félix aproveitou todas as oportunidades que lhe ofereciam suas viagens dentro e fora da Espanha para comprar, em antiquários e pequenas feiras de objetos usados, baralhos produzidos em todas as partes do mundo, de diversas épocas. Aos poucos, o incipiente museu, cujo acervo alcançou considerável importância desde os primeiros momentos, foi se enriquecendo ainda mais com doações de particulares, de colecionadores e, especialmente, de fabricantes de cartas de vários países.




De forma indireta, o desenvolvimento industrial da Espanha no início do século XX influiu no crescimento do Museu de Cartas de Álava. A área de produção de baralhos instituiu a União dos Fabricantes de Cartas da Espanha, à qual se integraram, entre outras, as empresas  Gabarró, Guarro y Torras e Lléo. No entanto, apesar dos esforços da associação, os graves problemas do setor fizeram com que, nas décadas de 30 e 40, a maior parte das marcas espanholas, inclusive as citadas, fosse adquirida por Fournier. Isso permitiu agregar ao acervo do museu exemplares representativos de toda a produção das empresas absorvidas - praticamente todas as espanholas, à exceção de Naipes Comas.
Outro fato importante para o incremento do acervo do museu ocorreu em 1970, quando Félix Alfaro Fournier conseguiu adquirir os exemplares que faziam parte da coleção da empresa inglesa Thomas de la Rue, fábrica que tivera excepcional importância na produção de baralhos na primeira metade do século XIX, mas que deixou de fabricá-los para concentrar seus objetivos em outros produtos. A coleçao Thomas de la Rue, além de ser muito significativa no que se refere à produção inglesa de baralhos em todas as épocas, também o é quanto a baralhos de diversos outros países. Com sua incorporação, o museu alcançou definitivamente destaque universal, situando-se hoje entre os melhores de seu gênero em todo o mundo.
Em 1984, a administração da província de Álava comprou da empresa Heraclio Fournier S.A. todos os baralhos (aproximadamente 3.400) que integravam, na época, a coleção reunida por Félix Alfaro Fournier. Em homenagem ao fundador daquela companhia e ao homem que a dirigiu durante muitos anos, o museu se denominava atualmente Museu Fournier de Cartas de Álava (Arabako Fournier Karta Museoa).
Após 1984, retomou-se o processo de aquisição regular de cartas procedentes de vários lugares do mundo. Para essa finalidade, os administradores recorreram aos principais fabricantes, a leilões internacionais, a comerciantes e a particulares especialistas no assunto. Ao mesmo tempo, continuam sendo consideráveis as doações de pessoas e de empresas, entre as quais se destaca particularmente a própria Naipes Heraclio Fournier S.A. Tudo isso garantiu que, na atualidade, o acervo do museu já conte com mais de 17.500 exemplares. Isso exigiu, há alguns anos, a transferência da instituição para um espaço mais adequado à conservação e à exibição do acervo.
O lugar escolhido foi o Palácio de Bendaña, um monumento de especial destaque histórico e artístico. Essa magnífica construção, que conserva parte de uma torre de origem medieval construída na época de Afonso X, o Sábio, foi erguida por volta de 1525 por ordem de Juan López de Arrieta, procurador da Real Audiência de Valladolid. Restaurado e reabilitado para uso pelo Departamento de Urbanismo, Arquitetura e Meio Ambiente da administração de Álava, o Palácio de Bendaña é um singular exemplo da arquitetura renascentista em Vitoria-Gasteiz e o marco excepcional no qual se localiza o Museu Fournier de Cartas de Álava.

HERACLIO FOURNIER




Em 1785 chegou a Burgos, na Espanha, o francês Francois Fournier, descendente de famosos mestres impressores parisienses. Alí ele montou uma oficina tipográfica e casou-se com uma habitante local, María del Reoyo. Nessa oficina, já desaparecida, produziram-se numerosos baralhos e foi dela que, em meados do século XIX, Heraclio Fournier, neto do fundador, partiu em busca de um lugar em que pudesse dar um novo passo em sua carreira profissional, na qual já era bastante experiente.
Heraclio acabou se fixando em 1868 na cidade de Vitória, na província espanhola de Álava, onde deu origem ao que se tornara um prestigiada empresa de fabricação de baralhos. Suas primeiras cartas, produzidas em prelos primitivos e coloridas a mão, eram quase totalmente artesanais. Pouco depois, porém, Heraclio comprou uma impressora litográfica com a qual introduziu novos e eficientes métodos de produção.
O mesmo ocorreu com o aspecto gráfico de suas cartas. Em 1875, Emilio Soubrier, professor da antiga Escola de Desenho de Vitória, criou por solicitação de Fournier as figuras que ainda hoje fazem parte do baralho básico da empresa, que mereceu o primeiro prêmio na Exposição Universal de Paris, em 1879. Alguns anos mais tarde, o baralho espanhol de Fournier adquiriu sua forma definitiva, com as alterações nele introduzidas por Augusto Rius.
Com a progressiva incorporação de novas técnicas de impressão e o abandono total da litografia, a fabricação de baralhos ganhou de vez o nível industrial. Heraclio Fournier foi o grande inovador na produção de cartas, cuja fabricação, até alí, mantinha-se extremamente dependente de técnicas indicadas na Enciclopédia Francesa. Após sua morte, ocorrida na cidade francesa de Vichy, em 1916, a empresa passou a ser dirigida por seu neto Félix Alfaro Fournier, que conduziu o processo de expansão dos negócios até 1986.




Foi nesse ano que a empresa norte-americana The United States Playing Card Co. adquiriu uma participação majoritária na capital da Heraclio Fournier S.A. Atualmente, com a denominação de Naipes Heraclio Fournier S.A., a empresa é uma das líderes mundiais na área de fabricação de baralhos, posição conquistada tanto pela variedade quanto pela reconhecida qualidade de seus produtos. Vale destacar também uma instituição que se converteu em inevitável ponto de atenção e de referência para todos os interessados no fascinante mundo das cartas, o Museu Fournier de Cartas, pertencente à adminstração da província de Álava.
O Museu Fournier, surgido pela iniciativa e o grande interesse de colecionador de Félix Alfaro Fournier, e o Deutsches Spielkarten Museum, de Leinfelden-Echterdingen, na Alemanha, são considerados atualmente as duas mais importantes instituições do mundo dedicadas às cartas de jogar.