domingo, 8 de abril de 2012

A HISTÓRIA DA ESPANHA DO SÉCULO XIX NAS CARTAS

Desde o final da Reconquista (1492) até a guerra da Independência (1808) a maioria das batalhas que os espanhóis lideraram aconteceram fora da península (conquista da América, guerras de Flandes e contra os turcos, etc.). Assim, apesar de alguns episódios bélicos notáveis (guerra das comunidades em Castilha, insurreição na Catalunha durante a guerra dos Trinta Anos, separação de Portugal, guerra da separação espanhola) que tiveram como cenário o território peninsular, a Espanha viveu um longo período de relativa calma durante três séculos, principalmente comparando-se com os anteriores (Reconquista) e os seguintes, em especial até o fim da guerra civil espanhola.
O século XIX foi uma época de grande agitação e numerosas mudanças sociais e econômicas para a sociedade espanhola: a invasão de Napoleão, as guerras civis carlistas, os regimes absolutistas, o triênio liberal, a Primeira República, o breve reinado de Amadeo de Saboya, a perda do império colonial americano, etc. Todos estes avatares foram recolhidos em diversos baralhos que refletem os sentimentos dos espanhóis diante deles, já que à Espanha haviam chegado também as idéias da Ilustração, assim como os baralhos instrutivos europeus.
A invasão napoleônica com que se inicia o século foi registrada num baralho editado pelo impressor Juan León (Madrid, 1811), que mostra o seu respeito por Napoleão e seu irmão José I Bonaparte, instalado no trono espanhol. O naipe de paus esta dedicado a engrandecer a figura do imperador, que é mostrado em diversas ações destinadas a destacar sua glória (a cavalo, tremulando a bandeira francesa, cruzando uma ponte, etc.); os outros naipes representam personagens e tipos exóticos, em homenagem ao poder universal do imperador francês.
Ainda que atualmente não surpreenda um baralho espanhol desse tipo, é possível supor que o fato de que fossem símbolos franceses devia-se que seu fim não era o povo espanhol, mas a corte francesa deste rei imposto, pois os espanhóis se encontravam imersos numa dupla luta. Por um lado, estavam em guerra contra o invasor; por outra, tentavam se organizar para superar o absolutismo como forma de governo. Em Cádiz reuniram-se cortes consituintes como representantes do sentimento do povo espanhol e redigiram uma Constituição liberal que, por ter sido promulgada a 19 de março de 1812 tornou-se conhecida como a Pepa. Quando Fernando VII voltou a Espanha, ao final da guerra da  Independência (1814), a derrubou, no entanto, pouco mais tarde, no chamado triênio liberal (1820-1822), teve que aceita-la. Em 1822 foram editadas umas cartas cuja missão era divulgar a Constituição ao povo espanhol.
Este baralho, editado em Barcelona, possuía uma dedicatória explícita: "Baralho constitucional, político e militar: seguindo a ordem dos quatro naipes antigos envolvendo a seguinte variação: por Ouros, a Constituição, dirigido ao poder legislativo; por Copas, a Força, dirigido aos corpos nacionais do exército e à milícia; por Espadas, a Justiça, dirigido ao poder executivo; por Bastões, a União, dirigido à nação espanhola. Inventado por Simon Ardit e Quer, segundo sargento do 4º Batalhão M.V.L. Dedicado à Junta de Comércio de Barcelona". As cartas deste baralho contêm numerosos símbolos, além de alguns artigos da Constituição. Nas figuras, os reis foram substituídos por leões, enquanto que os cavalos e as sotas mostram os retratos dos heróis da independência (Lacy, Quiroga, Daoíz, Velarde, Arco Agüero, Riego, Porlier e López Banõs) frente ao de Napoleão e o triunfo constitucional frente à Fernando VII.
Outros baralhos mostram menos respeito pelos pais da pátria numa edição posterior: um deles, de 1869, se dedica à situação que se gerou após a revolução de 1868 e à perda do trono de Isabel II; outro, de 1873, celebra a chegada da República, e o último, de 1874, foi editado depois do golpe do general Pávia. Tratam-se de baralhos nos quais lateja o fervor patriótico, mas onde aparece uma grande desconfiança com relação aos políticos, que são satirizados com dureza.



AS CARTAS ESPANHOLAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Dois fatos destacam-se na história das cartas na segunda metade do século XIX: a aparição das duas ramas de fabricantes de sobrenome Fournier e a fixação de um estilo espanhol de cartas, que na atualidade é conhecido como "modelo castelhano". Bráulio e Heraclio Fournier eram netos de Francisco Fournier. Francisco saiu de sua cidade natal, Limoges, na França, e mudou-se a Burgos, onde se fixou e iniciou um próspero negócio de impressão. Desde 1860 e durante oito anos, os dois irmãos fabricavam cartas com o nome de Hermanos Fournier, até que, em 1868, Heraclio se mudou para Vitória e iniciou a edição de cartas com seu próprio nome, enquanto Bráulio continuava com seu trabalho em Burgos. As duas fábricas seguiram fabricando cartas até os dias de hoje (Naipes Fournier, em Vitória, e Hija de Bráulio Fournier, em Burnos). O primeiro baralho criado por Heraclio Fournier em 1868, após sua chegada a Vitória e quando tinha dezenove anos, acabou sendo premiado na Exposição de Paris do mesmo ano.
Alguns anos mais tarde, por volta de 1877, Heraclio Fournier iniciou -junto ao professor de arte Emilio Soubrier e um aprendiz de pintor chamado Ignacio Dias de Olano - uma série de desenhos de cartas, com o objetivo de criar uma que se convertesse no protótipo da carta espanhola. Seu interesse se centrava na eliminação do que a seu critério era um excesso de barroquismo que afetava as figuras.
A revisão dos desenhos realizada por Augusto Rius, em 1889, deu lugar ao protótipo do modelo espanhol de cartas representado atualmente pelo conhecido e clássico baralho nº 1 de Naipes Fournier. O êxito destas cartas foi demonstrado pela grande quantidade de imitações que surgiram com o tempo.


CARTAS COMAS E A HISPANO AMERICANA


Outras duas fábricas de cartas, Comas e Roura, destacaram-se na segunda metade do século XIX.
A primeira delas, pertencente à família Comas, de Barcelona, iniciou sua produção de cartas a finais do século XVIII (1797) e segue em funcionamento até hoje, sendo a indústria de cartas ativa mais antiga da Europa. No período compreendido entre 1845 e 1892, a fábrica de cartas Comas teve um grande impulso industrial que a converteu numa das grandes fabricantes de cartas, tanto para o consumo como para a exportação ultramarina. Por sua parte, Juan Roura Presas fundou em Barcelona a fábrica de cartas Hispano Americana, que seu filho e seu neto continuariam até seu fechamento em 1969, data em que se transpassaram os jogos e as marcas a Heraclio Fournier de Vitória. A Hispano Americana dedicou-se à fabricação de cartas para o mercado espanhol e de ultramar (Cuba, Porto Rico, Argentina, Filipinas); para este último se criaram marcas específicas, como por exemplo La Loba, exclusiva para a exportação a Filipinas.
A segunda metade do século XIX também significou o desaparecimento da tradicional oficina artesã de fabricação de cartas e a criação de indústrias modernas, com fábrica mecanizadas, movidas a vapor, inicialmente, e, depois, a eletricidade. Assim, fabricantes de cartas como Alejo Gabarró, Wenceslao Guarro e Torras e Lleó se uniram, com o fim de melhorar sua produção, com o nome de Fabricantes de Cartas Espanholas. Comercializaram várias marcas de cartas, entre as que se encontrava a popular El Tigre.



AS CARTAS ESPANHOLAS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Durante o século XIX vai-se generalizando, progressivamente, o uso das pintas para demonstrar o naipe da carta, que já aparecem em algumas cartas espanholas do século XVI. O mesmo sucede com a utilização dos índices nos cantos das cartas para assinalar o valor da carta, que havia começado a se usar em baralhos dos últimos anos do século anterior.
Ambos símbolos têm o objetivo de facilitar o reconhecimento do naipe aos jogadores e dificultá-los aos espiões, impedindo assim que estes pudessem transmitir essa informação a outros jogadores. Tanto as pintas como os índices ficaram totalmente fixados como parte das cartas espanholas ao longo do século, de maneira que somente as cartas de fantasia não os usavam. É bom recordar que nos baralhos de símbolos franceses não são usados, de maneira geral, até a segunda metade do século XIX.
Sobre os índices, destaca-se o fato de que em todos os baralhos espanhóis as figuras são numeradas com os mesmos índices: sota, 10; cavalo, 11; rei, 12. isto explica que nos baralhos com 40 cartas apareça um salto na sua numeração, passando do 7, no sete, ao 10, na sota.
Outro fato importante para os fabricantes espanhóis de cartas é a Independência do México (1811) e da maioria dos territórios americanos, o que desencadeou o final do monopólio exportador da fábrica de Macharaviaya e a aparição de um importante centro naipero em Cádiz, dedicado especialmente à produção de cartas com destino aos países americanos. Pode-se destacar que os fabricantes de cartas de Cádiz desenvolveram um estilo próprio no desenho das cartas, perpetuado por outros fabricantes de cartas espanhóis como Roura, Comas ou Fournier, por exemplo, em especial para suas exportações à América.
Em 1810, o fabricante de cartas Clemente Roxas, editou um baralho notável, gravado por José Martínez de Castro, que estava excepcionalmente trabalhado com riqueza de detalhes nos cenários de fundo das figuras, ilustrações nos quatros de cada naipe e detalhes como anjos sustentando os ases de espadas e bastões. Este baralho foi reeditado por Fournier para comemorar o sexto centenário (1377-1977) das cartas em Europa. Em 1812, imprimiu-se uma nova edição deste baralho, com os desenhos ligeiramente retocados, já que os anteriores haviam sido considerados pouco discretos para a moralidade da época, particularmente as figuras dos amantes desnudos que se abraçam no quatro de ouros. Estes desenhos foram copiados em meados do século por outros fabricantes de cartas (Manuel Bertchinger e Sebastián Comas, entre outros) e adotados na Cerdenã como seu estilo regional. Ainda são fabricados, apesar de terem suprimido as pintas (conservadas durante muitos anos), sendo modificado o ás de ouros para adaptá-lo ao costume italiano.
No segundo decênio do século XIX, destacava-se um baralho constitucionalista, cujo fim era o de interpretar os princípios e as conquistas da Constituição de Cádiz de 1812. Outro fato notável é a fixação no período de 1830-1850 do modelo catalão das cartas, que acabou se mantendo praticamente sem variações até finais do século XX, ainda que a área de uso das cartas com esse desenho tornou-se cada vez mais restrita. Por outro lado, convém destacar que este modelo de cartas não tem nada que ver com as cartas "catalãs" produzidas na França.



REVOLUÇÃO E IMPÉRIO FRANCESES NAS CARTAS

O triunfo da ilustração produziu um anseio de saber que se propagou por todas as classes sociais. Este fato se refletiu na edição de numerosos baralhos educativos no último terço do século XVIII, tanto na França como em outros países europeus aos que chegavam a influência da ilustração. Foram editadas cartas geográficas, da história de Roma, da monarquia francesa e européias, da fauna, alfabéticas, literárias, etc.
A história contemporânea, especialmente a dos difíceis e decisivos anos da Revolução Francesa e o posterior Império de Napoleão, não podia permanecer alheia à febre dos baralhos didáticos.
O primeiro dos baralhos "revolucionários" pretende ilustrar as idéias sobre as que se apoia a Revolução. É o chamado baralho dos filósofos, realizado por Gayant (1793). Neste baralho aparecem filósofos no lugar de reis: virtudes em lugar de damas, como a prudência, a justiça, a moderação e a força; e, finalmente, soldados revolucionários ocupam o lugar dos valetes.
Outro baralho do ano de 1793 foi criado pelo conde de Saint-Simon, nesta época presidente da Comuna de Paris, com o propósito de ensinar ao povo os princípios da Revolução; por isso, nas doze cartas das figuras aparecem representados os atributos da Revolução, repartidos em três grupos (os nomes em letra correspondem aos nomes das cartas, segundo o costume de "batizar" as figuras do baralho francês): gênios (dos comércio, riqueza, paz, prosperidade, guerra, força, artes, gosto), liberdades (dos matrimônio, pudor, profissões, indústria, imprensa, luz, cultos, fraternidade) e igualdades (de cores, valor, categoria, poder, direitos, justiça, deveres, segurança).
Os baralhos editados após a coroação de Napoleão como imperador já não ilustram as idéias, mas as ações. O mais famoso baralho imperial é o das bandeiras (impresso em 1814, na decadência do Império, talvez para lembrar glórias passadas e melhor os ânimos), que consiste de 32 cartas (baralho de belote) distribuídas em quatro naipes, cada um deles em representação de um dos grandes exércitos europeus: francês, inglês, russo e alemão. Em todas as cartas aparecem soldados em ação que içam uma bandeira, na qual aparecem os símbolos da carta de acordo com os do baralho francês. As cartas estão impressas em preto e pintadas à mão.
Por volta de 1815, depois da queda de Napoleão, apareceu o baralho das batalhas do Primeiro Império, que recolhe 32 episódios gloriosos da história napoleônica. São cartas com grande formato; no canto superior esquerdo aparecem os símbolos da carta; nos terços superiores, um grande círculo, que cobre parte dos símbolos no canto da carta, no qual se ilustra um episódio ou uma batalha, com indicação do lugar e a data; as entradas do Imperador em Estraburg, Milão, Munique, etc; as batalhas das pirâmides, da ponte de Arcole, de Wagram, de Jena, etc (não tem nenhuma carta dedicada à Espanha); finalmente na parte baixa da carta aparecem 64 bustos (2 por carta) de mariscais e colaboradores de Napoleão. (Os baralhos napoleônicos não são somente próprios dessa época, já que por exemplo, em 1978 foi impresso um baralho de tarô na Itália no qual os arcanos e as figuras dos naipes foram substituídos por personagens e símbolos napoleônicos; obviamente, o IV é Napoleão, o imperador).
Por outro lado, em Tubinga, Alemanha, se editou em 1815 um baralho antinapoleônico, chamado "os exércitos aliados", que continha 52 cartas pintadas a mão. Os "reis" são quatro generais chefes de seus respectivos exércitos inimigos do imperador: o inglês Wellington, o prussiano Blücher, o austríaco Schwartzemburg e o russo Kutusoff; as "damas" são figuras alegóricas de triunfos e os "valetes", soldados dos quatro exércitos. As demais cartas mostram várias cenas religiosas, mitológicas, históricas e de gênero, no estilo dos baralhos de transformação; os símbolos das cartas aparecem impressos em preto ou vermelho sobre a ilustração.



AS CARTAS NO SÉCULO XVIII

FRANÇA

Na França, o efeito que os impostos produziram sobre as cartas foi a emigração dos fabricantes de cartas aos países vizinhos que os tentavam evitar. Sendo assim, no século XVII foram suprimidos os impostos para voltarem a ser introduzidos em 1701, após a expulsão dos hugonotes. Estabeleceram-se na França nove regiões (Paris, Borgonha, Lionesa, Auvernia, Delfinado, Provença, Languedoc, Guyena e Limosina) para a cobrança dos impostos sobre as cartas (seguindo a tradição administrativa francesa; assim haviam seis regiões para a cobrança dos impostos sobre o sal), e em cada uma destas regiões foi criado um modelo especial de cartas francesas, elaborado a partir do modelo geral. Os fabricantes de cada uma destas regiões foram convocados a fazer unicamente cartas segundo seu modelo regional. As nove regiões que impunham as regras naiperas (de fabricação da cartas) se mantiveram até que foram suprimidas pelos Estados Gerais revolucionários na década final do século XVIII. Nesta época o modelo de Paris se havia imposto sobre os outros e se converteu no estandarte do baralho francês. Entretanto, o imposto foi suprimido em 1719 e voltou-se a  introduzi-lo em 1751, para financiar a Real Escola Militar fundada por Luís XV. Em 1791, foi substituído por uma taxa alfandegária para os baralhos de importação.


ALEMANHA


No século XVIII e seguindo  sua própria  tradição, os fabricantes alemães continuaram fabricando baralhos com seus rebuscados desenhos, embora também tivessem começado a  elaborá-los com símbolos franceses para contrapor a importação dos baralhos franceses.
Por volta da metade daquele século, os fabricantes alemães começaram a fabricar os chamados tarôs animais, nos quais as cartas de trunfo tinham figuras estranhas de animais, muitos deles imaginários, que substituíram às figuras dos clássicos arcanos. Outro notável tarô é o musical de finais de século, fabricado por P.F. Ulrich de Munique, nos qual as figuras são personagens da ópera e os trunfos têm partituras de fragmentos de ópera no lugar de desenhos.
Assim mesmo, na Alemanha continuou-se com os baralhos educativos, entre os que se destacam um de astronomia, de 1719, e um bíblico cujos naipes estão representados por flores de quatro cores (amarelo, vermelho, azul e verde), que apareceram indicados num canto, enquanto que o índice aparece em outro, já que a cara da carta está ocupada pela representação de uma cena do Antigo Testamento e com um breve texto explicativo (umas quatro linhas).


INGLATERRA


Com a criação da Worshipful Company para  proteger os fabricantes ingleses da importação das cartas, o rei não quis ver perdidas as elevadas quantias que recebia pelos direitos de importação dos baralhos estrangeiros, e resolveu então estabelecer um imposto sobre a fabricação de cartas, que inicialmente foi de 2 chelines por grosa (doze dúzias) e passado um século já era de 2 chelines e 6 peniques por baralho. Para identificar os fabricantes e controlar o pagamento de seus impostos, estabeleceu0se que cada um deles devia incluir nos baralhos algum tipo de estampa própria. Este decreto supôs o início das marcas comerciais dos baralhos. Os mais importantes do século foram The Great Mogul, King Henry VII, Valiant Highlander e The Merry Andrew, cujas cartas eram conhecidas como moguls, harrys, highlanders e andrews, respectivamente. Posteriormente estabeleceu-se que uma das cartas (qualquer no início e, posteriormente, o ás de espadas) deveria levar o selo correspondente ao pagamento do imposto.
Em 1709 o parlamento proibiu o jogo. O projeto de lei inicial incluía a proibição do uso dos baralhos nos pubs, ainda que a pressão da Worshipful Company conseguiu eliminar esta  proibição.
Na tradição dos baralhos educativos e históricos, a partir de 1770, apareceram os baralhos Bubble, com ilustrações cujos personagens falavam por meio de balões similares aos das histórias em quadrinhos atuais.


NOVA INGLATERRA


Enquanto na Espanha se estabelecia a fábrica de Macharaviaya para prover de cartas o México e a América do Sul, as indústrias de cartas expandiram-se pela América do Norte. Jazaniah Ford (nascido em 1757) foi o primeiro fabricante de cartas nascido nas colônias que mais tarde se converteram no atual Estados Unidos. Outro fabricante norte-americano, Amos Whitney, ofereceu por volta de 1799 columbias, harrys e andrews. Columbias era o nome americano das moguls inglesas. Também são conhecidos pelos anúncios na imprensa, já que não se conservaram seus baralhos, Ryves e Ashmead, fabricantes de cartas super finas (de acordo com seu anúncio), e James Y. Humphries, que além das suas cartas americanas também vendia baralhos ingleses. Durante muito tempo, venderam-se na América do Norte baralhos "ingleses" que não haviam cruzado o Atlântico, mas respondiam à demanda do público; muitos desses baralhos eram simplesmente baralhos americanos com a palavra London escrita nas cartas.





CARTAS ESPANHOLAS DOS SÉCULOS XVI e XVII

Conservam-se poucos exemplos de cartas espanholas anteriores ao século XVIII, apesar de que as cartas já haviam se arraigado nos costumes sociais e o jogo com elas era algo habitual na Espanha do final da Idade Média. Um autor flamengo, Eckloo, conhecido com o nome latinizado de Pascasius Justus, viajou pela Espanha em 1540. No livro que escreveu, intitulado Alea Sive de Curanda Ludendi in Pecuniam Cupiditate, relata que os espanhóis sentiam uma grande paixão pelos jogos de cartas. Havia viajado muitas léguas sem conseguir provisão dos recursos básicos, nem mesmo pão ou vinho, mas em qualquer aldeia, inclusive nas mais recônditas, encontrou cartas e jogadores.
Os fabricantes espanhóis de cartas eram incapazes de atender à grande demanda, não somente nos territórios peninsulares, como também nos crescentes  territórios ultramarinos que iam se incorporando a um império em plena expansão. Sendo assim, desde o século XV, os naiperos franceses de Toulouse, Thiers, Limoges e Ruán eram os que forneciam as cartas aos espanhóis. Inclusive desde Flandes chegavam, por barco, encomendas de cartas para Portugal e Castilha. Existem registros de documentos onde consta que, em 1583, muitos fabricantes de cartas (naiperos) de Lyon emigraram para a Espanha a fim de escapar dos altos impostos que deveriam pagar na França.

OS EXEMPLARES MAIS ANTIGOS

Entre as cartas que se preservaram até os nossos dias, figuram dois calhamaços sem cortar para forrar livros, um impresso em 1495 (cuja capa conserva-se no Instituto Municipal de História de Barcelona) e outro em 1519 (cujo forro, encontra-se no Museu de Arte de  Catalunha). Estas folhas, assim como outros baralhos do século XVI que se conservam mais ou menos completos -como o baralho espanhol de 1490 da coleção Rothschild, do Museu do Louvre, ou o baralho de Juan II de Aragón, do Staatliche Museen de Verlim- mostram características que atualmente se consideram como alheias ao baralho espanhol e que são mais próprios dos baralhos portugueses (sotas femininas e dragões nos ases) italianos (reis sentados) ou alemães (dez com bandeiras). Talvez, devido à origem européia -em especial alemã- dos baralhos destinados à Espanha, cujo estilo ainda não estava claramente definido.
Mesmo que no Museu Fournier de Naipes  de Vitória conservem-se umas cartas datadas de 1570 e descobertas em Palencia, o primeiro baralho, sem dúvida nenhuma de origem espanhola, que chegou aos nossos dias encontra-se no Arquivo de Indias de Sevilha. Trata-se de um baralho de Francisco Flores no qual pode-se ler a incrição "Nova Espanha 1583". Sendo, pelo que parece, um baralho destinado à exportação à América.
No século XVII aparece a figura de Pedro Rotxotxo (o Pere), cuja fábrica se converteria no modelo para as cartas espanholas tanto no que se refere ao seu desenho quanto à sua qualidade. Assim é demonstrado ao se observar as ordens para o estabelecimento da fábrica de cartas de Macharaviaya, nas que se indicavam que devia produzir cartas da mesma qualidade que Rotxotxo. Outro fabricante de cartas destacado da mesma época foi Joan Santillana, de quem se conserva um baralho com a legenda "para Toledo". Geralmente, os baralhos espanhóis dessa época incluem o texto "com licença do Rei Nosso Senhor", assim como uma estrela de seis pontas.


sábado, 7 de abril de 2012

AS PRIMEIRAS CARTAS NO NOVO MUNDO

As cartas chegaram à América pelo Atlântico entre os objetos que os marinheiros e soldados levaram para se entreter nas longas horas que durava a travessia. Contudo, eram poucas as cartas que conseguiram chegar em boas condições ao Novo Mundo. A umidade do mar e o uso praticamente constante das cartas eram fatores de deterioração do papel, que era de baixa qualidade, e os desenhos acabavam borrados, fazendo com que as cartas ficassem inutilizadas depois de algum tempo. Outra explicação, um pouco mais lendária, atribui ao temor causado pelas tormentas em alto mar o fato de que os baralhos embarcados nos portos espanhóis não chegassem à América. Segundo essa lenda, os marinheiros atiravam as cartas no mar durante a tormenta na tentativa de acalmar a cólera dos deuses. De qualquer maneira, logo depois começaram a surgir cartas fabricadas com outros materiais, como o couro, que eram muito mais resistentes. Este interesse pelo jogo demonstra uma curiosa revelação, principalmente porque na maioria dos casos tratavam-se de homens que se entregavam por completo em cada uma das suas ações. O prazer e a emoção que as cartas e os jogos de apostas traziam aos descobridores da América eram muito grandes. Um bom exemplo de sua influência entre os habitantes do Novo Mundo é mostrado por Bernal Díaz del  Castillo, que escreveu uma crônica, relatando a excitação demonstrada pelo caudilho azteca Moctezuma quando viu as cartas utilizadas pelos espanhóis.
A primeira licença real para o estabelecimento de uma fábrica de cartas no México foi concedida em 1576. Esta fábrica foi construída para satisfazer a crescente demanda dos colonos. A licença foi concedida à Hernando de Cáceres, mas, pelo que parece, não agradou a coroa, pois no dia 4 de maio de 1583 foi assinado em Aranjuez um contrato com 23 capítulos no qual se concedia "o monopólio a favor de Alonso Martínez de Orteguilla para a fabricação e distribuição de cartas na Nova Espanha (México, Nicarágua, Nova Galícia, Guatemala, Yucatán, Honduras, Campeche, Nova Vizcaya, Soconusco e Chiapa)".


AS CARTAS APACHES


Os conquistadores espanhóis que se aventuraram em direção ao norte do México depararam-se com as tribos apaches que viviam na região atualmente ocupada pelos estados norte-americanos de Arizona, Novo México e Texas. Antes da chegada dos espanhóis, os índios norte-americanos já fabricavam e utilizavam curiosas cartas. Eram muito similares às do Extremo Oriente, em especial as cartas coreanas e consistiam em pequenas tábuas compridas, algumas adornadas com penas e outras com símbolos das quatro direções. Entretanto, os apaches se sentiram fascinados pelas cartas dos espanhóis e pelo jogo praticado por eles: o monte, uma variante do farol. Durante vários séculos, continuou-se jogando nas terras do norte de México que, desde o início do século XIX, passaram a se integrar nos Estados Unidos. seguindo os modelos espanhóis, os apaches criaram seus próprios jogos de cartas sobre couro (o mais utilizado foi o de cordeiro), pois não sabiam fabricar papel e tampouco dispunham dele. Os índios denominaram os naipes como "copas", "escudos" (e não ouros), "espadas" e "bastões" ou "naipes"; também usaram as palavras "rei" e "sota" para estas duas cartas, enquanto que para o cavalo usaram seu próprio termo, jliv.


AS CARTAS NAS COLÔNIAS AMERICANAS DO NORTE


Apesar das frequentes proibições oficiais do jogo, as cartas eram objetos de uso habitual nas regiões da América submetidas à coroa espanhola. Entretanto, para os colonos que procediam do norte da Europa -principalmente os peregrinos ingleses que fundaram as primeiras colônias norte-americanas- as cartas e o jogo eram sinônimos de pecado e  não constituíam de nenhuma maneira parte de sua vida cotidiana. Contudo, conforme foi crescendo a população da América do Norte, as normas e os costumes foram se tornando mais flexíveis. No século XVIII, os comerciantes ingleses já importavam cartas da metrópole e desde então as cartas foram chegando periodicamente às novas colônias.