quinta-feira, 8 de março de 2012

O BARALHO PORTUGUÊS





Os séculos XV e XVI são especialmente importantes na história e na evolução das cartas. É nessa época quando se produz a grande expansão de Portugal e Espanha além dos limites até então demarcados pela bacia mediterrânea e dão-se as grandes viagens de descobrimento e colonização, patrocinados pelas duas monarquias da península Ibérica. Este esforço expansivo coincide, ainda, com a difusão das cartas como objetos de uso cotidiano em ambos países e, em geral, em toda a Europa. Portanto, não é de se estranhar que os navegantes portugueses levassem com eles as cartas e os jogos praticados nas regiões mais remotas do planeta. Desde o século XVI é possível encontrar sinais e testemunhos do baralho português em lugares tão distantes entre si como Brasil, ilhas Celebes, Indonésia e Japão.
O baralho português é basicamente uma variação dos baralhos italianos e espanhol. Está formado por quatro naipes (ouros, copas, espadas e bastões, ou paus) de doze cartas cada um, com nove cartas numeradas e três figuras (rei, cavalo e sota). As variações com relação aos dois baralhos citados derivam da representação dos símbolos e figuras nas cartas do baralho português.
O rei e o cavalo são, praticamente os mesmos que no baralho espanhol, ainda que algumas vezes usam-se desenhos similares aos do baralho francês de Rouen. A sota, geralmente feminina e com saia, é a figura mais distinta. Esta figura mostra algumas vezes, especialmente a sota de bastões, uma grande agressividade. Alguns autores interpretam que é devido ao fato de não se tratar de sotas, mas de rainhas, que no caso mostrariam furiosas por terem sido superadas em categoria pelo cavaleiro.




Naipes de um baralho com 40 cartas, sem cor, editado por A. Infierra por volta de 1694. Nos ases figuram os dragões característicos dos títulos portugueses. As cartas superiores estão representadas pelos rei, cavaleiro e dama.


A disposição dos bastões é similar ao do baralho italiano, diretamente relacionado com o do tarô. Ou melhor, os bastões aparecem cruzados no centro, ainda que, para evitar problemas ao gravador, um escudo cobre a zona em que se cruzam. As figuras dos bastões são uma espécie de garrotes, similares aos espanhóis, ainda que sem tantos laços e adornos. Em qualquer caso se diferem bastante do modelo utilizado nos bastões italianos. O dois de bastões costuma estar adornado com uma figura agachada que se apoia na X formada pelo dois garrotes.
O naipe de espadas mostra uma disposição similar ao dos bastões, com os símbolos cruzados no centro e cobertos por um escudo. O dois de espada é uma carta que costuma aparecer muito adornada.
Os naipes de copas e ouros mostram os símbolos colocados ordenadamente, geralmente com adornos que os entrelaçam.


OS DRAGÕES DE PORTUGAL


Nos ases dos quatro naipes é onde o baralho português mostra sua maior originalidade, já que estes se caracterizam pela presença de dragões que sustentam ou rodeiam o símbolo de cada naipe.
Estes dragões costumam ter duas asas e são muito parecidos aos que aparecem no escudo de armas dos rei de Portugal, o que possivelmente explique sua introdução no baralho deste país.
Com o passar dos séculos estes dragões tão característicos adquiriram um significado documentário particular, já que permitem perseguir as pegadas dos viajantes e colonizadores portugueses pelo mundo.


Ás de espadas de um baralho impresso em xilogravura pela Real Fábrica de Lisboa, a princípios do século XIX. Os dragões do baralho português sobrevivem ainda em alguns países asiáticos.


É curioso observar que as cartas com dragões já não se usam nem no seu lugar de origem, Portugal, nem no Brasil, aonde se fabricavam notáveis baralhos portugueses pouco depois da independência -o principal fabricante foi Luís Schlicting, no Rio de Janeiro-, no entanto, ainda se usam no japão, onde foram introduzidos pelos missionários jesuítas nos séculos XVI e XVII. Estas cartas costumam ser conhecidas como Tensho karuta, já que são originárias do período Tensho dos finais do século XVI (1573 a 1592).
Também é interessante destacar que em Portugal e no Brasil já não se usam os baralhos com os símbolos do baralho tradicional, que foram completamente substituídos pelos símbolos franceses, os naipes continuam denominando-se com os nomes tradicionais de ouros (diamantes), copas (corações), espadas (picas) e paus (trevos).



2 comentários:

  1. Mais uma tradição destruída.

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  2. Quem sabe, mais uma tradição destruída, só para não sermos iguais aos espanhóis. Excelente matéria, parabéns.

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