quinta-feira, 1 de março de 2012

AS PRIMEIRAS CARTAS DA PENÍNSULA IBÉRICA

O estudo das cartas de baralho da Península Ibérica apresenta uma notável particularidade em relação aos demais países europeus: são denominadas "naipes" enquanto que, em outros idiomas, tona-se necessária a utilização da expressão "cartas de jogar". Portanto, além de se considerar os primeiros exemplos de cartas de baralho na Península Ibérica, é importante analisar as origens do termo naipe, pois recolhem as primeiras informações documentadas sobre as cartas nessa região. Essas informações, no entanto, não devem ser totalmente consideradas, pois não se conhece o objeto ao qual se referem por não ter chegado aos nossos dias. Não se sabe ao certo se os primeiros "naipes" eram realmente cartas de jogar; podem ser simplesmente "estampas de naibi", ou seja, ilustrações utilizadas pelos "profetas" para se referirem às pessoas.
Não se pode assegurar com total exatidão quando surgiram os primeiros "naipes" na Península Ibérica, porém certos historiadores afirmam que houve uma oficina árabe dedicada à sua fabricação, situada em Játiva e ligada à primeira fábrica de papel do continente europeu (1150), que era feito com folhas de milho. Também é possível que os primeiros "naipes" consistissem apenas em cartões ilustrados, não possuindo a função de cartas de jogo.




Em 1330, um escritor medieval, conhecido como abade Rives, atribuiu a invenção dos "naipes" a um suposto Nicolás Pepin, também citado por outros autores como, por exemplo, Sebastián Covarrubias na sua obra Tesoro de la lengua, com o nome de Nicolao Papin. Das suas iniciais, "NP" derivaria a palavra "naipe". Todos os pesquisadores estão de acordo sobre o caráter fabuloso de Nicolás Papin, assim como desta etimologia da palavra "naipe", apesar de que em inúmeras obras ainda se mencione esse personagem principalmente para demonstrar que, já nessa época, esse termo era de uso comum e que a sua etimologia era motivo de discussão. No entanto, se a origem dessa palavra já era desconhecida e muito debatida, atualmente é muito mais difícil ainda de ser estabelecida com segurança. Apenas resta a possibilidade de se elaborar suposições relativamente plausíveis.
Como exemplo da grande popularidade da palavra "naib" -precedente de "naipe" - pode-se assinalar que se encontra incluída no Diccionario de la rima de Jacme (ou Jaume) March (1371)


AS CARTAS NOS REINOS DA ESPANHA


Um inventário datado do dia 26 de outubro de 1380, conservado no Arquivo Histórico de   Protocolos de Barcelona, relativo aos bens deixados por Nicolás Sarmona, um comerciante da cidade de Barcelona, inclui unum ludum de naybs qui sunt quadrazinte quatour pecie (um jogo de cartas de quarenta e quatro peças). A inclusão desse jogo de cartas no inventário dos bens deixados em testamento -junto a jóias, quadros, móveis, etc- demonstra o valor que tinham na época, quando eram confeccionadas à mão por hábeis artistas, como, por exemplo, Rodrigo Borges (ou Borias) de Perpiñán, distinguido no mesmo ano com o duplo título de pintor e "naipeiro". Em um inventário posterior (1401) de Miguel Capila, outro negociador barcelonês, aparece un joch de nayps grans pintats e daurats, tots ab cubertes negres (um jogo de naipes grandes, pintados e dourados, todos com capas pretas). Dois anos mais tarde, em um documento datado de 30 de junho de 1403, o rei Martín, o Humano, encomendou ao senhor Raimundo de Sentmenat o envio de un joch de nayps (um jogo de naipes).




No Arquivo Histórico de Barcelona conservam-se algumas ordens ditadas para impedir a prática dos jogos de azar, entre os quais os naipes, que eram lidas pelas ruas e praças dessa cidade por pregoeiros. Nelas se diziam: ...no gos jugar a nengun joch de daus ni de taules ni de naips, sots ban de X soldos... (não está permitido jogar nenhum jogo de dados, de mesa ou de naipes, sob a pena de 10 soldos). Além disso, em outra parte da Coroa de Aragão, o Conselho Geral da cidade de Valência proibiu, em 1384, um novel joch apellat dels naipes (um novo jogo denominado naipes). Três anos mais tarde, o rei Juan I de Castela proibiu, em uma lei ditada em Briviesca, os dados e os "naipes". Essas aparentes contradições foram constantes ao longo dos séculos; por um lado se proibiam os jogos e, por outro, cobrava-se uma taxa sobre a fabricação de cartas e sobre as casas de jogo, que só funcionavam com permissão, licença ou concessão real.
Outros exemplos medievais referentes ao crescente interesse pelas cartas e à sua utilização por parte da rainha Maria, esposa de Alfonso, o Magnânimo, consistem em uma ordem de dezembro de 1428, dirigida ao seu tesoureiro para que pagasse ao pintor valenciano Miquel de Alcanyís e aos filhos de Bartolomé Pérez a quantia de 265 soldos per deboixar, pintar e acabar um joch de nayps e per II mans de paper que en aquell intraren (por desenhar, pintar e acabar um jogo de naipes, e por duas mãos de papel que se utilizaram para isso), e em uma carta ao negociante Miquel de Roda na qual agradece el caxonet dels nayps que nos harets tramesos molt bells (a caixinha de naipes que nos fizestes chegar, todos eles muito belos).
No dia 1º de dezembro de 1455, o rei Juan II outorgou um Real Privilégio que aprovou a incorporação dos fabricantes de cartas como grupo gremial à Confraria de Julianes Merceros, seguindo o procedente do naipeiro catalão Joan Brunet, já incorporado como tal à mesma confraria doze anos antes.


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