sábado, 12 de maio de 2012

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

A Primeira Guerra Mundial - ou Grande Guerra, como ficou conhecida até a eclosão da Segunda - ofereceu grandes oportunidades para a indústria de baralhos mostrar seus fervores patrióticos.
Geralmente, os baralhos produzidos tanto de um lado (a Tríplice Aliança) como de outro (Os aliados) incluíam nas figuras retratos dos chefes de estado e dos principais generais envolvidos na guerra e, nas demais cartas, cenas bélicas. A fábrica Piatnik Und Sohne de Viena (fundada em meados do século XIX e atualmente uma das mais importantes do continente) editou um tarô em que os trunfos eram cenas de guerra. No Canadá, a Montreal Litograph Co. editou um baralho que incluía, na cara da carta, reis, generais e soldados das forças aliadas e no seu verso, as bandeiras de seis países. Também De La Rue e Goodall & Sons, na Grã-Bretanha, editaram baralhos sobre a guerra. Não aconteceu o mesmo na França, devido a uma imposição legal que impedia a variação nas cartas, em respeito aos padrões nacionais estabelecidos, mas, sim, se editaram jogos de cartas infantis patrióticos, já que estes não estavam sujeitos à mesma imposição. Nos Estados Unidos, em 1915, 1917 e 1918, editaram-se baralhos "apaixonadamente democráticos", onde se denegriam as monarquias e vangloriavam a democracia. Por outro lado, a U.S. Playing Card Company, no último ano da guerra, editou um baralho educativo com frases em francês e inglês em cada carta, com instruções sobre a pronúncia, para o uso das tropas americanas acantonadas na Europa. Um dos baralhos patrióticos mais destacados por sua qualidade, entre os editados em plena guerra, é o editado em 1916 pela Spielkarte de Altenburg. É um baralho de símbolos alemães dedicado a elevar o ânimo e afirmar o poderio do povo germânico, no qual não se inclui menção alguma sobre os inimigos. Os quatro reis são os quatro homens da família imperial: o Kaiser, os príncipes Wilhelm e Rupprecht, e o duque Albrecht. Nas outras figuras (obers e unters, todos os homens) aparecem personagens de destaque da empresa bélica germânica, como o marechal Von Hindenburg ou o conde de Zeppelin. As cartas numeradas mostram os símbolos alemães tradicionais, corações, folhas, belotas e guizos (apesar de que estes últimos estão desenhados de modo a lembrarem os balões aeroestáticos de observação), pintados sobre cenas alegóricas da Grande Guerra, como um vôo sobre a Sena ou alguns navios disparando contra a costa da Inglaterra.
Ainda que outros baralhos tivessem sido editados no final da guerra, foram os aliados que o fizeram em celebração da vitória. Os belgas, que tanto sofreram durante a guerra, editaram um baralho duplo, o mais destacado deste tipo, tanto pela rapidez com o que fizeram como também por sua qualidade e desenho. Os dois baralhos são complementares, já que em um único não caberiam todos os personagens que os belgas desejavam homenagear e nem todos os feitos que pretendiam comemorar. Assim, as cartas numeradas estavam divididas em duas metades e em cada uma delas era representada uma cena diferente, pois o número total das cenas é superior à 150 (cada baralho possuía 54 cartas, incluindo os dois curingas). Nelas se reproduziam miniaturas que mostravam batalhas e outros episódios da guerra, como o uniforme dos soldados, as armas, os veículos e todo tipo de detalhes, o que atualmente constitui uma notável fonte de informação gráfica sobre aqueles acontecimentos. Em um dos baralhos, os reis são Jorge V da Grã-Bretanha, Victor Emmanuel III da Itália e dois presidentes, Poincaré, da França, e Wilson, dos Estados Unidos. No outro baralho estão Alberto I da Bélgica; o imperador Yoshi-Hito, do Japão; Alejandro I da Sérvia e Fernando I da Romênia.
As damas são, no primeiro baralho, as esposas dos reis, as rainha Mary da Grã-Bretanha e Helena da Itália, assim como duas figuras alegóricas, Mariana da França e Miss Liberty dos Estados Unidos.
No segundo baralho aparecem as esposas dos monarcas da Bélgica, Romênia e Japão, junto a uma figura alegórica da Sérvia. Os valetes lembram os grandes chefes militares: Jofre, Foch, Haig e Cadorna, no primeiro; Pétain, Pershing, Leman e Kitchener, no segundo.



AS CARTAS NO SÉCULO XX

Com as indústrias de cartas convertidas em fábricas e os mestres deste ofício transformados em trabalhadores industriais, as cartas deixam de ser um instrumento de jogo para converter-se num objeto cuja finalidade são elas mesmas. As fábricas de cartas produzem dois tipos de baralho: por um lado, as cartas destinadas ao jogo, que tem as caras com modelo padrão, já que os jogadores são muito conservadores neste sentido (é mais fácil adotar um novo jogo ou uma variação no jogo do que um novo desenho ou uma mudança nas cartas); por outro lado, estão as cartas criadas para comemorar algum acontecimento (guerra, copas, armistício, feiras, etc), ou para ilustrar algum aspecto das atividades humanas. Estas cartas estão dirigidas aos colecionadores. Mesmo assim, o auge do marketing e as campanhas publicitárias usam as cartas como um dos seus grandes veículos publicitários. Inicialmente as cartas são utilizadas mas, quando os publicitários descobrem que os jogadores não jogam com essas cartas, a publicidade muda para o verso das cartas e as caras continuam inalteradas. Desta maneira são reduzidos os custos de impressão e a publicidade capta os jogadores.
A conversão das fábricas de cartas em indústrias modernas produziu também a sua concentração. Assim, por exemplo, nos Estados Unidos, das duzentas pequenas fábricas de cartas fundadas no século XIX passou-se a para somente cinco em 1969, e que eram: The United States Playing Card Company of Cincinnati, The Arco Playing Card Company of Chicago, Stancraft of St. Paul (Minnesota), Whitman of Racine (Wisconsin) e Kem of Poughkeepsie (Nova York). Atualmente deve ser acrescentada à lista a U.S. Games System.
A primeira das companhias citadas, a The United Playing Card Company, que domina quase dois terços do mercado americano e que tem uma grande participação na espanhola Naipes Fournier, é ao mesmo tempo uma divisão do conglomerado financeiro denominado The Diamond International Corporation de Nova York.
Outro fenômeno global que ocorreu na segunda metade do século XX é o desaparecimento generalizado dos impostos especiais sobre as cartas e das impressões que eram feitas sobre algumas cartas para indicar o pagamento dessas taxas.


OS BARALHOS COMEMORATIVOS


No final do século XIX e princípio do XX, a U.S. Playing Card Company editou um baralho em homenagem aos heróis americanos da guerra de Cuba, conhecida como a Army and Navy Pack. A guerra dos boérs, onde se enfrentaram na África do Sul os colonizadores ingleses contra os alemães e holandeses, foi também objeto de vários baralhos entre os quais se destacam o de C.L. Wust de Frankfurt, celebrando as vitórias boérs sobre os ingleses. Um outro baralho criado por H.M. Guest (proprietário de um jornal local e correspondente da Reuter), na África do Sul, para contrapor a escassez de baralhos motivada pela guerra, foi impresso sobre papel ordinário e possui um caráter completamente artesanal.
As coroações de Eduardo VII, filho da rainha Vitória e, posteriormente, a de seu sucessor Jorge V, serviram para que as companhias inglesas (De la Rue, Waddington, Goodall & Sons) editassem baralhos comemorativos de tais eventos. A abertura da passagem de Yukon no final de 1899 também foi comemorada pela U.S. Playing Cards com um baralho, a White Pass and Yukon Route, que deu início a uma série de baralhos de temas geográficos.
Assim, em 1901, foram editados os de Hawai, Califórnia e as cataratas de Niágara, seguidas por uma produção incessante de cartas geográficas de todas as regiões do planeta.
Na Espanha destacam-se os baralhos taurinos, nos quias são representados os heróis e as figuras dos torneios (ainda que este tipo de baralho já era produzido na segunda metade do século XIX), os de tipos literários com Dom Quixote ou Dom Juan Tenório e os satíricos, muito populares nas duas primeiras décadas do século e que mais tarde foram retomadas pelas revistas de humor (El Papus, El Jueves, entre outras) nos últimos decênios do século. Também foram editados baralhos comemorativos do descobrimento da América e outros importantes acontecimentos históricos.
Uma novidade curiosa na fabricação de cartas é o aparecimento de cartas de formas diferentes (redondas, em zig-zag, etc), ou com os naipes de cores variadas com objetivo de evitar confusões e faltas. Um exemplo destacado é o baralho impresso em Vitória por Hijos de Heráclio Fournier que representa os quatro naipes nas cores preta, verde, vermelha e azul.
A especialidade dos baralhos de tarô de advinhação, que não estão destinados ao jogo, foi especialmente fértil na criação e realização de todo tipo de desenho. É importante destacar como exemplos extremos destas cartas o baralho desenhado por Salvador Dali e o utilizado no filme Viva e Deixe Morrer (1973), protagonizado pelo célebre agente secreto James Bond.





terça-feira, 1 de maio de 2012

A WORSHIPFUL COMPANY OF MAKERS OF PLAYING CARDS

Em 22 de outubro de 1628, o rei Carlos I da Inglaterra aprovou a criação da Company of the Mistery of Makers of Playing Cards of the City of London, que era um grêmio dos fabricantes de cartas de Londres. Uma das primeiras conquistas deste grêmio foi a proibição das importações de cartas nos reinos da Inglaterra e Gales a partir de 1 de dezembro de 1628, promulgada pelo rei. Em troca desta proibição, o rei impôs uma taxa sobre a fabricação de cartas - para compensar as que recebia até então sobre as importações - que era de três chelines sobre cada grosa de baralhos (144), dos quais dois chelines eram para o rei e um cheline para o funcionário encarregado de sua cobrança (Receiver os the Duty). Além disso, a empresa se comprometia a produzir cartas suficientes para atender a demanda a um preço que não deveria ser superior ao dos baralhos estrangeiros vendidos na Inglaterra durante os sete anos precedentes.
Todos os baralhos deviam ser selados pelo receiver e ter uma marca própria que identificasse o fabricante. A companhia podia supervisionar o comércio de cartas em Londres e numa área de 10 milhas em volta da cidade.
Nos anos posteriores, a companhia fez novas petições ao rei para perseguir e castigar os infratores do monopólio, e foram promulgadas diversas leis, sempre em troca de aumentos das taxas. Numa destas lei, promulgada em 1712 pelo Parlamento, estabeleceu-se que a marca do fabricante deveria figurar em uma das cartas do baralho e o ás de espadas foi o escolhido.
A taxa foi sendo ajustada durante o século XVIII (seis peniques por baralho em 1711, um chelin por baralho em 1756, em chelin e seis peniques por baralho em 1766, dois chelins por baralho a partir de 1789 e dois chelins e seis peniques por baralho desde 1801), o que acabou levando a uma crescente diminuição das vendas dos baralhos da companhia, ao contrabando e à evasão de impostos, sendo que a taxa foi drasticamente reduzida em 1828 a um chelin por baralho e a três peniques (como Excise Duty) em 1862, valor que se manteve até sua abolição em 1960.
Desde sua fundação, a companhia, que passou a se chamar oficialmente Worshipful Company of Makers of Playing Cards, celebra uma ceia anual no dia de Santo André (30 de novembro), ou nos dias anteriores a essa data, para escolher por um ano um Master e dois Wardens. Estas ceias têm sido celebradas a cada ano, exceto durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Na ceia de 1882, cada um dos membros presentes recebeu um par de baralhos comemorativos num estojo de couro. Então foi decidido que a cada ano os membros da companhia receberiam um baralho comemorativo, desde que comparecessem à ceia anual. Esta limitação, entretanto, foi abolida mais tarde.
O ás de espadas destes baralhos comemorativos inclui o retrato de Master e seu nome, e também os nomes dos Wardens. Os versos fazem referência a algum acontecimento destacado do ano anterior e incluem o escudo da companhia. Pode haver diferenças de cor entre os dois dorsos dos baralhos do estojo, que podem ter desenhos diferentes.
Em algumas ocasiões excepcionais a companhia editou baralhos comemorativos extraordinários: corações dos reis Eduardo VII e Jorge V, 75º aniversário da rainha Vitória, etc. Outros baralhos excepcionais foram enviados aos combatentes e aos feridos, nos hospitais no transcurso da Primeira Guerra Mundial.
Atualmente, a Companhia já não possui os amplos e exagerados poderes que originalmente tinha sobre o comércio de cartas, suas normas detalhadas, ordens e constituições. No entanto, continua protegendo seus interesses, entre os quais encontra-se uma fundação destinada a obter verba para a educação dos filhos ou órfãos dos fabricantes de cartas.
Outras associações de grêmios londrinas que incluíram entre suas tradições a oferta de cartas comemorativas como lembrança aos participantes em suas ceias anuais são Clothworkers (1949), Feltmakers (1900), Fishmongers (1980), Frameworker Knitters (1988), Haberdashers (1910, 1961-65, 1979), Mercers (1982), Tin plate workers (1982), Weavers (1987), Saddlers (1965), Skinners (1889, 1948, 1961-65) e Tallow Chandlers (1985).



BARALHOS DE TRANSFORMAÇÃO

O século XIX oferece aos pesquisadores e colecionadores de cartas alguns baralhos a um só tempo atraentes e surpreendentes, nos quais os símbolos dos naipes se integram à ilustração de cada carta de uma maneira tão engenhosa quanto, com frequência, carregada de ironia ou de humor. Trata-se dos chamados "baralhos de transformação", de origem e significados que ainda permanecem pouco claros.
Segundo o professor Detlef Hoffman, é possível que a idéia tenha surgido de uma espécie de entretenimento praticado pelos ingleses no final do século XVIII, que consistia em fazer nas cartas de baralho os mais atrevidos desenhos. Outras teorias sustentam que a origem dos baralhos de transformação está nos desenhos que as crianças faziam nas cartas para divertir-se, ou mesmo em simples exercícios de estilo de alguns desenhistas ou pintores. Seja como for, o fato é que esses baralhos, fabricados tanto na Inglaterra como na Alemanha, na Polônia e nos Estados Unidos, chegaram a alcançar uma qualidade artística e uma criatividade extraordinária. Às vezes, os artistas tomavam certas liberdades ainda maiores, deslocando os símbolos das cartas para melhor adaptá-los a seus desenhos, ou incluindo nelas textos e jogos de palavras. Isso gerou discussões entre especialistas, já que alguns preferem considerar esses produtos como baralhos ilustrados, e não especificamente como baralhos de transformação.
Entre os autores desses curiosos baralhos, podem ser encontrados personagens tão inesperados como John Butler Yeats - pai do célebre peota irlandês William Butler Yeats - ou o escritor inglês William Makepiece Thackeray, autor dos romances Feira das vaidades e Barry Lyndon, entre outros. As 21 cartas transformadas de Thackeray foram publicadas postumamente por sua filha, que as inclui num livro em que reuniu diversos textos inéditos do escritor. Thackeray tinha a intenção de completar a "transformação" de todas as cartas do baralho, mas a morte prematura impediu-o de realizar a tarefa.
O baralho de transformação impresso mais antigo é atribuído ao alemão J. G. Cotta. Esse conjunto de cartas ficou conhecido pelo nome original de Die Spielkarten Almanache (O almanaque do jogo de cartas), pois ele era vendido junto com um calendário e um folheto explicativo. Dedicado a Joana d'Arc, o baralho de Cotta foi impresso em 1804 para ser distrbuído na época do Ano Novo de 1805. O mesmo fabricante produziria posteriormente outros cinco baralhos de transformação.
Os baralhos alemães tinham conteúdo mais sério do que os do grupo conhecido como Metastasis/Transformation Cards, fabricados na Inglaterra entre 1803 e 1812. Essas cartas, que não constituíam um baralho completo, foram desenhadas por John Nixon, considerado por alguns como o inventor das cartas de transformação. Seus desenhos originais foram copiados em repetidas ocasiões e muitos deles aparecem no primeiro baralho de transformação inglês completo, produzido por J. Fuller em 1811.
No caso dos Estados Unidos, o primeiro baralho de transformação, impresso por Charles Bartlett, de Nova York, data de 1833. Posteriormente apareceram o Samuel Hart Transformation Deck, da Samuel Hart & Company of New York and Philadelfia, em 1860, e as Eclipse Comic Playing Cards, de F. H. Lowerre, em 1876. Em 1879, C. E. Carryl desenhou um baralho para a empresa Tiffany's, de Nova York, conhecido como Harlequin Playing Cards. Também são importantes os baralhos de transformação fabricados nos Estados Unidos entre 1895 e 1896 pela United States Playing Card Company, entre os quais se destacam o Hustling Joe, o Hustling Joe II, o Vanity Fair e o Ye Witches' Fortune Cards.
Por essa época, o mundo começava a testemunhar o declínio dos baralhos de transformação, hoje conservados como uma curiosidade do século XIX e como valiosas peças de coleção, já que são muito difíceis de encontrar. Os artistas que no século XX desenharam cartas o fizeram de forma completa, incluídos os símbolos (como acontece com o famoso Tarô de Salvador Dalí). Com isso, pôs-se um fim no desenho sobre a própria carta, que é a base dos baralhos de transformação.

OS MODELOS DO BARALHO ESPANHOL

De acordo com um mesmo padrão (sete ou nove cartas numerais e três figuras características: sota, cavalo e rei) foram fabricados numerosos tipos de baralhos espanhóis seguindo diversos padrões ou modelos. Segundo a classificação proposta por um dos maiores especialistas mundiais em cartas espanholas, Trevor Denning, os sucessivos modelos de cartas espanholas são os detalhados abaixo.



ARCAICO HISPANO-PORTUGUÊS

As cartas do baralho espanhol anteriores à segunda metade do século XVI possuíam diversas características que desapareceram nas cartas espanholas, mas que se mantiveram nas portuguesas: reis sentados, sotas femininas, copas com o hemisfério, e bastões e espadas frequentemente cruzadas em diagonal.


ARCAICO FRANCO-ESPANHOL

A maioria das cartas do século XVI de símbolos espanhóis que se conservam provém de fontes francesas, sendo possível supor que o baralho espanhol se originou na França e dali passou para a Espanha (em realidade, os territórios franceses - Rossellón e Cerdaña - faziam parte nessa época da monarquia hispânica). O baralho franco-espanhol típico constava de 48 cartas, com nove cartas numerais e três figuras (rei, cavalo e sota masculina) em cada naipe. As copas eram cubou ou cilindros com uma pequena base. Com exceção do três de bastões, raramente eram cruzados os signos dos naipes de bastões e espadas. Frequentemente a sota de ouros está virada de costas e olha por cima do ombro.


NACIONAL ESPANHOL

Este modelo deixou de ser utilizado na Espanha em meados do século XIX, mas seguiu sendo utilizado na França, América do Sul e norte de África. Os pés dos reis estão ocultos sob a roupa. Não possuem barba. No naipe de bastões, o cetro do rei está preso numa forquilha, o do cavalo é representado por este animal e o da sota é ligeiramente cônico. As copas são cúbicas, com linhas retas. O cavaleiro de ouros está de perfil, não de costas.
A partir do século XVIII é comum a inscrição AHI VA (escrita de variadas formas) aos pés do cavalo de copas. O ás de ouros costuma ser uma moeda grande com uma fita em cima e embaixo.


CÁDIZ

Este modelo foi utilizado sobretudo pelos fabricantes que se instalaram na zona de Cádiz para abastecer os países da América do Sul.
As copas são similares às do nacional espanhol. Os reis e os cavaleiros possuem bigode. As vestimentas dos reis não chegam a cobrir os pés. Cavaleiros e sotas usam calças de montar, às vezes acolchoadas, e blusões até a cintura. A maioria levam ombreiras volumosas. A expressão AHI VA aparece no cavalo de copas. O desenho de ouros é muito detalhado. O ás de ouro é uma moeda coberta com uma coroa com fitas e rodeada com ramas de palma e oliveira.


PARISIENSE

É uma versão do modelo nacional espanhol destinada ao mercado francês, como demonstram os cavaleiros, que se convertem em amazonas, ainda que esta característica não se mantenha sempre. Em algumas versões os reis têm barba e usam túnicas curtas que deixam à vista suas pernas. Algumas vezes aparece um cachorro na sota de ouros.


ROXAS/SARDO

A primeira versão deste modelo é a que foi criada por José Martínez de Castro e publicada por Clemente Roxas (Madri, 1810 e 1812). Versões posteriores, simplificadas, aparecem em Barcelona. Adotado na Cerdenha, é, atualmente, o modelo local utilizado. O rei de ouros sustenta um grande ouro e está de pé sobre uma mesa coberta com uma toalha. Todas as figuras das espadas levam armadura e todas as sotas têm chapéus com penas. Os ases de espadas e bastões estão sustentados por anjos. As cartas quatro (4) levam diferentes charges no centro.


MACIÀ

Este modelo da primeira metade do século XIX é associado à família Macià, mas foi copiado por outros fabricantes, alguns italianos. As copas parecem urnas com tampa. Os reis têm as pernas totalmente descobertas e usam capas que lhes caem pelos ombros sobre blusas folgadas; os de espadas e copas levam coroas de louros. O cavalo de copas olha em direção à direita, enquanto que o de espadas olha para a esquerda (a direção destas cartas se inverte em algumas ocasiões). O ás de ouros é uma moeda coroada emoldurada por bandeiras.


GARCIA

Os reis mostram os tornozelos e os pés. O rei de copas não tem cetro, mas sustenta o símbolo do naipe. O cavalo de ouros olha em direção à direita; o de bastões tem a cabeça girada para olhar para trás. As sotas levam meias e vestes de montaria; a de bastões às vezes usa calça. As sotas de copas e ouros usam blusas com cinturão e saias soltas. As copas são hemisféricas. O ás de ouros é um escudo rodeado por uma coroa de louros e enfeitado com fitas.


CATALÃO MODERNO

As canelas dos reis são visíveis sob suas vestimentas. Todas as figuras, geralmente, mas não invariavelmente, estão rasuradas, com suaves expressões joviais; as de bastões parecem levar uniforme. As copas são como recipientes de ovos. O quatro de copas (também pode ser outra carta) leva o escudo de Catalunha ou outro símbolo regional. O ás de ouros é uma moeda coroada e com bandeiras, colocada sobre uma plataforma decorada com símbolos mercantis.


CASTELHANO

Este modelo, que é o mais popular atualmente na Espanha, foi criado pela indústria de cartas Fournier de Vitória em 1889, e foi copiado por numerosos fabricantes de cartas espanhóis e de outros países. Todos os reis têm barba e levam ou empunham espadas, mas nenhum tem cetro; o de bastões está de perfil e suas roupas são luxuosas e muito decoradas. Os cavalos não estão levantados e os quatro levam mantas decoradas cobrindo-os; o cavaleiro de bastões não usa estribos. As copas estão mais decoradas que as do modelo catalão. O ás de ouros inclui um retrato de perfil numa moeda de ouro rodeada por bandeiras, palmas, ramas de oliveira e outros motivos ornamentais.



domingo, 8 de abril de 2012

A HISTÓRIA DA ESPANHA DO SÉCULO XIX NAS CARTAS

Desde o final da Reconquista (1492) até a guerra da Independência (1808) a maioria das batalhas que os espanhóis lideraram aconteceram fora da península (conquista da América, guerras de Flandes e contra os turcos, etc.). Assim, apesar de alguns episódios bélicos notáveis (guerra das comunidades em Castilha, insurreição na Catalunha durante a guerra dos Trinta Anos, separação de Portugal, guerra da separação espanhola) que tiveram como cenário o território peninsular, a Espanha viveu um longo período de relativa calma durante três séculos, principalmente comparando-se com os anteriores (Reconquista) e os seguintes, em especial até o fim da guerra civil espanhola.
O século XIX foi uma época de grande agitação e numerosas mudanças sociais e econômicas para a sociedade espanhola: a invasão de Napoleão, as guerras civis carlistas, os regimes absolutistas, o triênio liberal, a Primeira República, o breve reinado de Amadeo de Saboya, a perda do império colonial americano, etc. Todos estes avatares foram recolhidos em diversos baralhos que refletem os sentimentos dos espanhóis diante deles, já que à Espanha haviam chegado também as idéias da Ilustração, assim como os baralhos instrutivos europeus.
A invasão napoleônica com que se inicia o século foi registrada num baralho editado pelo impressor Juan León (Madrid, 1811), que mostra o seu respeito por Napoleão e seu irmão José I Bonaparte, instalado no trono espanhol. O naipe de paus esta dedicado a engrandecer a figura do imperador, que é mostrado em diversas ações destinadas a destacar sua glória (a cavalo, tremulando a bandeira francesa, cruzando uma ponte, etc.); os outros naipes representam personagens e tipos exóticos, em homenagem ao poder universal do imperador francês.
Ainda que atualmente não surpreenda um baralho espanhol desse tipo, é possível supor que o fato de que fossem símbolos franceses devia-se que seu fim não era o povo espanhol, mas a corte francesa deste rei imposto, pois os espanhóis se encontravam imersos numa dupla luta. Por um lado, estavam em guerra contra o invasor; por outra, tentavam se organizar para superar o absolutismo como forma de governo. Em Cádiz reuniram-se cortes consituintes como representantes do sentimento do povo espanhol e redigiram uma Constituição liberal que, por ter sido promulgada a 19 de março de 1812 tornou-se conhecida como a Pepa. Quando Fernando VII voltou a Espanha, ao final da guerra da  Independência (1814), a derrubou, no entanto, pouco mais tarde, no chamado triênio liberal (1820-1822), teve que aceita-la. Em 1822 foram editadas umas cartas cuja missão era divulgar a Constituição ao povo espanhol.
Este baralho, editado em Barcelona, possuía uma dedicatória explícita: "Baralho constitucional, político e militar: seguindo a ordem dos quatro naipes antigos envolvendo a seguinte variação: por Ouros, a Constituição, dirigido ao poder legislativo; por Copas, a Força, dirigido aos corpos nacionais do exército e à milícia; por Espadas, a Justiça, dirigido ao poder executivo; por Bastões, a União, dirigido à nação espanhola. Inventado por Simon Ardit e Quer, segundo sargento do 4º Batalhão M.V.L. Dedicado à Junta de Comércio de Barcelona". As cartas deste baralho contêm numerosos símbolos, além de alguns artigos da Constituição. Nas figuras, os reis foram substituídos por leões, enquanto que os cavalos e as sotas mostram os retratos dos heróis da independência (Lacy, Quiroga, Daoíz, Velarde, Arco Agüero, Riego, Porlier e López Banõs) frente ao de Napoleão e o triunfo constitucional frente à Fernando VII.
Outros baralhos mostram menos respeito pelos pais da pátria numa edição posterior: um deles, de 1869, se dedica à situação que se gerou após a revolução de 1868 e à perda do trono de Isabel II; outro, de 1873, celebra a chegada da República, e o último, de 1874, foi editado depois do golpe do general Pávia. Tratam-se de baralhos nos quais lateja o fervor patriótico, mas onde aparece uma grande desconfiança com relação aos políticos, que são satirizados com dureza.



AS CARTAS ESPANHOLAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Dois fatos destacam-se na história das cartas na segunda metade do século XIX: a aparição das duas ramas de fabricantes de sobrenome Fournier e a fixação de um estilo espanhol de cartas, que na atualidade é conhecido como "modelo castelhano". Bráulio e Heraclio Fournier eram netos de Francisco Fournier. Francisco saiu de sua cidade natal, Limoges, na França, e mudou-se a Burgos, onde se fixou e iniciou um próspero negócio de impressão. Desde 1860 e durante oito anos, os dois irmãos fabricavam cartas com o nome de Hermanos Fournier, até que, em 1868, Heraclio se mudou para Vitória e iniciou a edição de cartas com seu próprio nome, enquanto Bráulio continuava com seu trabalho em Burgos. As duas fábricas seguiram fabricando cartas até os dias de hoje (Naipes Fournier, em Vitória, e Hija de Bráulio Fournier, em Burnos). O primeiro baralho criado por Heraclio Fournier em 1868, após sua chegada a Vitória e quando tinha dezenove anos, acabou sendo premiado na Exposição de Paris do mesmo ano.
Alguns anos mais tarde, por volta de 1877, Heraclio Fournier iniciou -junto ao professor de arte Emilio Soubrier e um aprendiz de pintor chamado Ignacio Dias de Olano - uma série de desenhos de cartas, com o objetivo de criar uma que se convertesse no protótipo da carta espanhola. Seu interesse se centrava na eliminação do que a seu critério era um excesso de barroquismo que afetava as figuras.
A revisão dos desenhos realizada por Augusto Rius, em 1889, deu lugar ao protótipo do modelo espanhol de cartas representado atualmente pelo conhecido e clássico baralho nº 1 de Naipes Fournier. O êxito destas cartas foi demonstrado pela grande quantidade de imitações que surgiram com o tempo.


CARTAS COMAS E A HISPANO AMERICANA


Outras duas fábricas de cartas, Comas e Roura, destacaram-se na segunda metade do século XIX.
A primeira delas, pertencente à família Comas, de Barcelona, iniciou sua produção de cartas a finais do século XVIII (1797) e segue em funcionamento até hoje, sendo a indústria de cartas ativa mais antiga da Europa. No período compreendido entre 1845 e 1892, a fábrica de cartas Comas teve um grande impulso industrial que a converteu numa das grandes fabricantes de cartas, tanto para o consumo como para a exportação ultramarina. Por sua parte, Juan Roura Presas fundou em Barcelona a fábrica de cartas Hispano Americana, que seu filho e seu neto continuariam até seu fechamento em 1969, data em que se transpassaram os jogos e as marcas a Heraclio Fournier de Vitória. A Hispano Americana dedicou-se à fabricação de cartas para o mercado espanhol e de ultramar (Cuba, Porto Rico, Argentina, Filipinas); para este último se criaram marcas específicas, como por exemplo La Loba, exclusiva para a exportação a Filipinas.
A segunda metade do século XIX também significou o desaparecimento da tradicional oficina artesã de fabricação de cartas e a criação de indústrias modernas, com fábrica mecanizadas, movidas a vapor, inicialmente, e, depois, a eletricidade. Assim, fabricantes de cartas como Alejo Gabarró, Wenceslao Guarro e Torras e Lleó se uniram, com o fim de melhorar sua produção, com o nome de Fabricantes de Cartas Espanholas. Comercializaram várias marcas de cartas, entre as que se encontrava a popular El Tigre.